O Mendigo K, Orfeu Negro e o Óscar. AINDA ESTAMOS AQUI...

"Em geral, para obter um paradoxo, basta inverter uma verdade corrente..."

Mme de Staël

Como a padaria amanheceu fechada nesta terça-feira de carnaval, os mendigos se reuniram em frente a um boteco que, apesar de à noite ser um puteiro, durante o dia é um ambiente extremamente familiar. Famílias e até noviças marcam encontros ali para negociar uns papelotes e até para discutir projetos educacionais e de meio ambiente.

O Mendigo K estava entre eles, todos com sinais extremos de indigência e de alcoolismo. Quando me viram se abraçaram e gritaram em coro: Bazzo, ainda estamos aqui!

E claro, a discussão girou ao redor do filme e do Oscar. Insistiam: mas quem é, afinal, esse tal de Oscar? O Mendigo K e sua mulher regiam a discussão. 

Depois de muito lero lero e de muitos monólogos delirantes, um daqueles personagens, o mais reservado de todos, se posicionou: O que não entendo, por um lado, é que o filme - segundo dizem - tenha sido produzido por um  ex-banqueiro. Mas, como???, se os banqueiros estiveram sempre alinhados com a ditadura? E por outro lado, que tenha sido premiado pelo império???. Ora! mas, não foram exatamente os EEUU que bancaram os horrores da ditadura de 1964? Observem: desestabilizaram o país; sustentaram vinte anos de ditadura; eliminaram quem os incomodava; mandaram fazer um documentário dos casos mais escabrosos; convidaram os aurores desse documentário a participar de um concurso lá no Império; fizeram algumas ironias sobre o personagem principal da história; o consideraram o melhor filme estrangeiro e lhe outorgaram uma estatueta de ouro (possivelmente de ouro rapinado de nossos próprios garimpos...) Isso é sério ou é a fina-flor do sarcasmo!? 

Caralho! Só os cegos e os subalternos incuráveis não percebem que estão presenteando a si mesmos e que a ópera inteira é deles! Paradoxos! Como entender e dormir com uma porralouquice dessas???

E, o pior: é que o titulo do  filme ganha um sentido diverso, dependendo de quem o usa. Imaginem, por exemplo, os velhos generais daqueles tempos dizendo: Ainda estamos aqui! Ou o pessoal da CIA. Ou a turma da USAID. Ou os miseráveis a soldo que colocavam estudantes no pau de arara...

Neste exato momento, passava ali ao redor de um monumento à Pátria a bandinha com uma moça fantasiada de Orfeu, não o Orfeu grego, aquele que desceu aos infernos para salvar sua amante, mas o Orfeu Negro, cantando: O abre alas que eu quero passar...