domingo, 23 de março de 2025

Depois de: 'Ainda estou aqui', agora, 'A última sessão de Freud'... E o Banco Itaú...

 




"Le théâtre est le premier sérum que l'homme ait inventé pour se proteger de la maladie de l'angoisse..."
J. L. Barrault

Quando quero testar meu sistema imunológico vou ao teatro ou ao cinema. Esses dois universos paralelos de ácaros, com seus malditos ar condicionados sobre as cabeças... Mesmo quando o "entretenimento" não é lá tão iatrogênico, ninguém escapa às intempéries do ambiente. Sem falar da arquitetura que, no caso de um incêndio, mesmo depois da tragédia de Santa Maria e da mais recente lá na Macedônia, 80% da platéia, abobalhada, seria tostada...

Depois do tão discutido Ainda estou aqui, fui ao teatro ver A ultima sessão de Freud.

Auditório lotado. A coreografia da turma não enganava ninguém: Balzaquianas, párocos do inconsciente e mocinhas da psicologia... muitos analisados e outros em processo de análise... E como todo mundo sabia que se tratava da discussão entre 'dois judeus' (Freud e Lewis) sobre Deus, havia também alguns padres, rabinos e pastores disfarçados de psicanalistas no meio da platéia...

O que salvou a peça foi a beleza do cenário. Os latidos do cachorro de Freud, aquela cortina vermelha, o ruído dos aviões e a música de violino quando "Freud" aumentava o volume do rádio...

Por se tratar de uma discussão entre 'judeus' e 'anglicanos' a controvérsia foi chocha e superficial. Um blábláblá para neófitos impregnado, logicamente, de sutis liturgias ideológicas...  O judaísmo! O catolicismo! O inconsciente! E, como pano de fundo, a disputa entre o Antigo e o Novo Testamento! Quais bobagens seriam mais críveis? A suposta guerra entre a ciência e a fé, entre o judaísmo e o catolicismo, entre as sinagogas e o Vaticano; entre Eros e Thanatos, o ressentimento contra Hitler (que até teria sido coroinha na Austria beata daqueles tempos... e, mais tarde, apoiado pelo papado da época...) Uma ou outra das clássicas anedotas do humor negro judaico, e, no meio de tudo o horror escatológico da doença que os deuses teriam lançado vingativamente sobre o ateísmo freudiano.., mas sem nenhuma menção à "pulsão de morte"... esse núcleo duro e maldito da teoria freudiana... Na platéia, não se ouvia, mas se podia adivinhar aquelas. mocinhas e aqueles mocinhos iniciados na psiquiatria, na psicologia e na Igreja do Sétimo Dia resmungando: abaixo essa psicoterapia sem Deus! Jung, o alemão Jung, com suas mandalas, seus arquétipos e as varinhas do I Ching... é nosso mentor...  

E, de vez em quando, quando se ouvia ruído de aviões (da Segunda Guerra) dando rasantes sobre aquela Londres que (por debaixo dos panos) apoiava a Hitler, qualquer um da platéia, por mais alienado que fosse, associava aquele ruído às bombas que Israel, naquele exato momento, estava lançando sobre a população civil da Palestina... Curiosa e bizarramente, o cachorro não latia durante a passagem dos aviões. (?!)

Claro, falou-se bem mais do pai do que da mãe e, de forma breve, muito breve, sobre o Princípio do Prazer, basicamente para poder citar a frase chave do texto: o ser humano, para Freud, é um ser bissexual! Uffa! A platéia ambidestra suspirou aliviada. Mãozinhas e perninhas apertadas para lá e para cá... Outro momento fulgurante, foi quando surgiu o relato de que o pai de Freud, numa rua de Viena (?), teve o chapéu arrancado da cabeça e sido humilhado por um cristão antisemita. Mais suspiros... e mais auto-compaixão... E a música de violino, apesar do ar condicionado e dos ácaros, quando aparecia, era deslumbrante... E os "dois gigantes" iam fazendo suas milongas apologéticas, um do ateísmo, outro do catolicismo... Não sei qual foi realmente a intenção do autor da peça, mas tenho certeza que a platéia saiu do auditório ainda com mais fé no além e no sobrenatural... (Credo, quia absurdum est) e com mais medo e rejeição à análise do que quando entrou... Sem falar de quão ridículos foram os 4 ou cinco minutos depois que as cortinas se fecharam, quando um dos atores se dirigiu ao público fazendo demagogia sobre a importância da educação & da cultura para os jovens, impertinência que sufocava o clima emocional que a peça poderia ter provocado. E, pior: fazendo propaganda do Banco Itaú. Pensei de imediato no Oliviero Toscani, que dizia: a propaganda é um cadáver que nos sorri...

Enfim...

Na confusão da saída, com todo mundo se esfregando o lenço no nariz, ouvi um daqueles rabinos disfarçados de analista na discussão com um pastor do Reino de Deus, sobre quem, afinal teria sido vitorioso nas trapaças teológicas do mundo. Roma ou a Judéia?, citando a Nietzsche: A resposta, apesar de ser ambígua e confusa, - dizia o psicanalista, naquele tom quase sagrado da clinica - não oferece dúvida... Note-se que hoje mesmo, em Roma, na metade do mundo, e em todas as partes onde o homem está civilizado ou tende a sê-lo, a humanidade inclina-se diante de três judeus e de uma judia (Jesus de Nazaré, Pedro, Paulo e Maria, mãe de Jesus). Não dá para negar, Roma foi vencida...









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