Jules Renard
1. Muitos mitômanos e voyeristas aqui da cidade que já estão de malas prontas para ir ao Rio de Janeiro ver a Madona, estão apreensivos com a possibilidade de lá, no meio da multidão excitada, depararem-se com aquela mulher que na semana passada, para cavar um empréstimo, levou o tio morto a uma agência bancária e mais, deu-lhe uma ordem para que acordasse, segurasse a caneta, ficasse de boca fechada e assinasse a papelada... (Só faltou seu tio chamar-se Lázaro!)
2. E como é que fica 80% da população brasileira que vem sobrevivendo de migalhas há décadas, diante da revelação de que uma turma de grã-finos, para que suas mulheres e massagistas pudessem seguir passando férias no Sheraton de Tóquio e de Paris, desfrutava (também há décadas), da tal desoneração?
3. E lá entre os gaúchos, o que estaria acontecendo com a lusitana Nossa Senhora dos Navegantes? Estaria invocada com quê? Por que todos os anos, (desde os Lírios do Campo, de Ericco Veríssimo) resolve inundar-lhes as bombachas? Os gaúchos teriam esquecido e negligenciado aquela antiga pregaria dos piratas portugueses: {Virgem Maria, Senhora dos Navegantes, minha vida é a travessia de um mar furioso. As tentações, os fracassos e as desilusões são ondas impetuosas que ameaçam afundar minha frágil embarcação no abismo do desânimo e do desespero}. Enfim, ao invés de ficar inventando mentiras orçamentarias, de ir lá cretinamente consolar os desgraçados e ficar cacarejando sobre rios aéreos e outras desculpas meteorológicas, seria bem mais interessante tentar entender as razões que levaram toda aquela gente (com aval do Estado e da Cúria metropolitana) a construir suas moradas em território pantanoso, praticamente dentro da água... e que, desde séculos, (desde a República Guarani, quando os rios ainda corriam tranquilos, já se sabia), era propriedade privada e legítima do rio... (Por isso, nós que temos consciência de que somos seres aquáticos, sempre que um rio invade uma cidade, devemos estar prontos para defender o rio...). E atenção: se os governos (federal e estadual) insistirem em reconstruir as casas e as vilas nos mesmos lugares onde foram destruídas (como o fizeram na última enchente) é, em primeiro lugar, uma demonstração quase incurável de estupidez, e em segundo lugar, uma evidência descarada de aporofobia, (sadismo, ódio e desprezo aos pobres). E que ninguém se engane com os discursos prêt-à-porter dos burocratas e dos pastores. Observem como nos olhos daquelas velhinhas sobreviventes, abraçadas amorosamente a seus cachorros, há sinais não só de niilismo, mas de outras mil tempestades. Olhando com um certo desprezo para suas tralhas que vão boiando, elas sabem que amanhã é outro dia e que todos os rios espremidos do mundo, na hora que lhes convier, voltarão para o leito que lhes foi roubado e para um ajuste de contas... Em segredo, envoltas em seus trapos e agarradas naqueles barcos improvisados ou sendo içadas por helicópteros de um Estado ineficaz e fajuto, abrem mão de tudo, menos da cumplicidade com o rio...
4. E a comemoração do PRIMEIRO DE MAIO, não foi um fiasco só aqui no Brasil. No mundo inteiro apenas uma meia dúzia de babacas compareceu aos atos. Parece que enfim, os tais trabalhadores estão caindo na real e entendendo que, como dizia Remy de Gourmont, chegamos a tal ponto de imbecilidade que uma trupe de vivaldinos, para eternizar a escravidão, tenta fazer o populacho acreditar que o trabalho, além de honroso, é também sagrado...
5. E não posso deixar de fazer um elogio aos universitários norte-americanos, a eles que - independente de estarem apoiando a Palestina ou não - com seus protestos, sua fúria, seus isqueiros e suas invasões, estão dando vida, ressuscitando e salvando as universidades, não apenas as de lá, mas praticamente as de todo o mundo que, tomadas por carolas e por trapaceiros metafísicos de todos os tipos, nos últimos tempos, foram submergidas (junto com seus mestres e alunos) numa pasmaceira beata e reacionária...
Enquanto isso... ali na esquina, encostados no tronco de um flamboyant, um velho e mais meia dúzia de indigentes assopram num clarinete e dedilham uma viola enquanto cantarolam melancolicamente Lagrimas negras...
Sobre o cachê da Madona.
ResponderExcluirhttps://www.correiobraziliense.com.br/webstories/flipar/2024/05/6850241-cache-milionario-de-madonna-gera-debate-veja-quem-vai-bancar.html
https://www.brasil247.com/mundo/apos-os-eua-protestos-estudantis-pro-palestina-proliferam-no-canada-franca-mexico-e-australia
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