domingo, 12 de novembro de 2023

Para quem cantam os galos de Nasca?


Muito mais fascinantes que as místicas Linhas de Nasca (cujo truque ainda não foi descoberto), são os cantos dos galos daquele vilarejo plantado no meio desértico dos Andes. Da calle Lima, 166, das 4:59 às 5:59, enfiado debaixo de um fino edredom, contei mais de 900, e apenas dos que me chegavam até o quarto 223 daquele hotelzinho mambembe, edificado a uns 500 passos da rodoviária... E os cantos eram de todos os timbres: havia cantos finos, infanto-juvenis; roucos, de fumantes; afrescalhados, de gênero dúbio; cantos de fúria, de jubilo, de fome, de sede, de tesão, de euforia, de frustração, de indignação e de impotência. Vozes de velhos incas e de contemporâneos adulterados. Simulacros! Vozes de quem come folhas que não podia e de quem quer ser ouvido por inimigos imaginários, habitantes lá do alto dos imensos rochedos fulminados secularmente por um sol maligno. Galos de Nasca! Nasca: Essa palavra que pode ser traduzida por sofrimento! O que os supostos extra-terrestres teriam querido quando pousaram por aqui? A turistada, ansiosa e febril, quer ir logo pela manhã ver a linhas e os desenhos dos supostos campos de pouso. Uma espécie de neo-catolicismo. De fertilidade demencial! Eram os anjos extra-terrestres, resmunga em Quechua uma velhinha aculturada... Ou teria sido Godot? As pedras, a vida secreta das pedras, os aquedutos "mais sofisticados que os romanos" e as palmeiras dactiles, ainda sem cachos... Nas areias ferventes de um cemitério abandonado, naquela solidão desértica, adivinho, sob meus pés os ossos calcinados dos cadáveres. E na cidade.., o crepúsculo, e depois a noite, com seu fundo cor de alcatrão, repleto de estrelas... Um ou outro latido... Mais tarde, em plena madrugada, o mistério da escuridão é dissimulado pela histeria dos galos! Para quem cantam esses putos? Fui à janela e vi escrito em vermelho, na parede em frente: Viscara vuelve! Quem teria sido o tal Viscara? Confirmo que dois dos cantores, um mais maníaco do que o outro, ao redor de um minúsculo galinheiro, parecido a um presépio, eram do próprio hotel. Saudáveis, esqueléticos, arrogantes, comedores de Maca e sem nenhum sinal de simpatia... Servos do espetáculo! Estariam cantando para os hóspedes? Para Viscara? Para os antigos Incas? Para os extra-terrestres? Para as múmias maquiadas e postadas em seus 'sarcófogos' apenas para ludibriar a turistada? Ou aquela cantoria era dirigida unicamente (como um apelo erótico-matinal) para seus haréns, suas singelas frangas e galinhas, ainda empoleiradas e castas? Ah! A aurora! O sol explodindo lá por sobre o DNA imutável das montanhas e de seus abismos...






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