Ramón Gómes de la Serna
As velhinhas e os aposentados não falam em outra coisa: Ufa! O calor... a seca... o sol... as labaredas internas... o risco de uma trombose ou de uma sincope... Cadê a chuva? O SUS está tentando fazer milagres para salvar a turma da quarta idade! A geriatria está em colapso... Mesmo assim, nunca morreram tantos velhos de calor como agora. Água. Não tenham vergonha de serem confundidos com camelos. Camelos com alma! Afinal, como dizia aquele vigário: cada alma tem o corpo que merece... Bebam! Água! Com gás ou sem gás! Perrier ou uma vagabunda qualquer... Leve sempre uma garrafa no bolso... Na algibeira... Os especialistas aparecem no rádio e nas televisões com aquelas caras de cortesãs (no meio de propagandas de farmácias e de protetores solar) com aqueles jargões hipnóticos ainda do tempo de Esculápio... Com mais de setenta anos, nestes dias de labaredas e de insolação, - aconselham - é bom não se aventurar numa trepada, pois pode ser a última ou então, ter que esperar quinze dias para se recuperar... E o preço das bisnagas de protetor solar dispararam... Pois as multinacionais dos cremes e dos medicamentos precisam sobreviver... O que seria da Holanda, da Bélgica e da Suíça, sem seus testas-de-ferro tupiniquins, sem os mosquitos na lamaceira da América Latina e sem o sol dos trópicos??? E quem iria financiar as guerras? Chapéu, boné, chinelos... não se envergonhe de sair por aí fantasiado de pateta e de cretino... Sim, nossos tataravós, bisavós e outros malditos ancestrais passaram o machado e as foices nas árvores de 500 anos e pisotearam os rios.. Sem falar do Niemayer que pavimentou esta cidade de cimento, de lágrimas e de pixe.... E agora aparece o sol para dar sentido às pretensões daqueles vivaldinos e histriônicos ilusionistas... Estariam querendo, por alguma razão, vingar-se das futuras gerações, que somos nós? Mas nós nem sequer havíamos pedido para nascer! Aliás, se soubéssemos da fria em que nos estávamos metendo... Mas já estão mortos... E não chove... Os mendigos, enrolados em seus farrapos, enfiam-se sob os flamboyants e os jacarandás e debocham dos burocratas que passam apressados em suas potentes motos, e em seus carros japoneses, todos em direção aos ministérios, ao STF, à Câmara dos deputados... onde só se pode entrar "vestido a rigor", a gravata enroscada ao redor das carótidas... e o punho das camisas, como algemas... E as mulheres, também passam com as pregas suadas dentro de seus terninhos e tailleurs comprados em Paris ou em Tóquio, todas lambuzadas com o mesmo carmim e as mesmas máscaras, com aquelas espécie de bombachas internas, secretas e elásticas tanto para aumentar as nádegas como para apertar as banhas... hábeis nos truques e nas trapaças aprendidas do mesmo e assexuado cabeleireiro (da corte) para ludibriar e manter tanto o amante como o provedor, na canga... Um horror!
O céu está limpido!
Não chove!
O Mendigo K. vendo-me de longe e, no meio de um sol miserável, lançou um grito de fúria e de solidariedade:
_ Bazzo, fique tranquilo que quando chegarmos ao inferno, não nos parecerá nada novo, teremos a sensação de já ter vivido por lá!!! (Melhor reinar no inferno do que servir no paraíso...)
E explodiu numa gargalhada...
O azul sobre nossas cabeça nunca esteve tão azul... e não chove...
Vá fuder otro!
Bazzo, assisti as manifestações. Mas o ritual religioso foi melancólico. Para não dizer, ridículo.
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