domingo, 23 de junho de 2019

O lupemproletariado e a doença mental...

[... Para los animales depredadores de la selva, la regla de vida es matar o ser matado. Para el ser humano depredador en la sociedad, la regla de vida es estigmatizar o ser estigmatizado...]
Ronald D. Laing
IN: La otra locura, página 106

O tédio dos domingos à tarde é quase universal. Seja em Londrina, na Cidade do México, em Barcelona, em Paris, em Londres, em Bénares, em Pekin... e mesmo nos vilarejos perdidos nos cafundós dos diabos. Não foi por acaso que Cioran nos preveniu: se os sete dias da semana fossem sempre domingo, a espécie já teria se extinguido. 
Aqui em Brasília não é diferente. Quatro da tarde esta todo mundo em casa bêbado, assistindo futebol, alguma missa via internet, acompanhando um ou outro dos programas imbecilizadores da TV, ou preparando as marmitas para a segunda-feira. Claro que um ou outro casal, cada vez menos, também se esforça para seguir praticando as posições mais cômodas do Kamasutra... E é tudo.
Costumo ir a um café que fica numa área quase deserta e silenciosa da Asa Norte que parece os arredores de um famoso cemitério romano. Estando lá, neste domingo durante uns 40 minutos, tive que lidar com o assédio de uns seis ou sete mendigos que, de mesa em mesa, imploravam qualquer coisa: uns centavos, um pão, a metade de uma das madeillenes postas sobre a mesa ou dinheiro para comprar um remédio. E todos com o perfil de quem recém foi mandado embora sem medicação de um hospital psiquiátrico ou colocado em liberdade condicional por falta de vagas nos presídios. 
Entre eles apareceu o Mendigo K que, percebendo meu incomodo foi explicando a situação de seus comparsas.
Veja, foi me dizendo. A situação da saúde mental no Brasil é tão precária  que se uma pessoa tiver uma crise aqui, agora, (e nem precisa pertencer ao lupemproletariado) se começar gritar ou quebrar este café, vai acontecer o seguinte: 
 O gerente vai ligar imediatamente para o Corpo de Bombeiros que, ao chegar, com a mesma delicadeza que prendem cachorros ou cavalos por aí, vão imobilizar o sujeito, aplicar-lhe uma injeção que ninguém sabe o  que é e vão levá-lo para o Hospital de Base. Na melhor das hipóteses, passará uma noite lá, num andar reservado para eles, meio amarrado, meio dopado, no meio de outros sujeitos em surtos iguais ou até piores. Se tudo correr bem, na manhã seguinte, será colocado novamente na rua ou enviado para o HPAP, localizado numa cidade satélite. Lá, ao atravessar o portão, qualquer um lembrará de imediato do velho hospício de Barbacena ou mesmo dos que o velho Pinel desativou na Europa de 1800. Um horror. Dois três dias depois, mais por questões administrativas do que clínicas, o sujeito, que não tem casa, nem trabalho, nem família, nem porra nenhuma é mandado de volta para as ruas, alguns até com uma receita de medicamentos que nunca conseguirá comprar... O pessoal médico (quase tão angustiado como o paciente) num total estado de niilismo o observa que vai para a rua ainda meio tonto, sem ter onde cair morto e já sabendo que aquele pobre infeliz voltará na semana que vem.., isto se um outro doente de rua não o assassinar no meio de um delírio persecutório.
- Fez um longo silêncio para conter a fúria da qual foi tomado e concluiu - É isso aí o que temos quando se fala em saúde mental, companheiro... Portanto, não se irrite com esses pobres diabos! Lembre que não é para eles que as patisseries e os padeiros preparam essas saborosas madeleines... Disse isto, pegou a última que restava no prato e desapareceu.

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