[...Dos mil años de sermones y de códigos han edulcorado nuestra hiel…]
Quem frequentar um determinado café aqui da cidade vai encontrar lá, entre as 4 e 5 horas da tarde, um senhor de uns 60/70 anos, com terno azul amarrotado, sem gravata, que ouve música árabe de seu celular. Parece mergulhado na mais absoluta solidão e nostalgia., mas sem estar deprimido. Seria da Síria? Do Libano? Do Marrocos? Seria o dono do café ou do Shopping em frente? Os clientes não escondem seu incomodo ao lado e sob o olhar daquele insólito forasteiro e a garçonete, desde sua lamentável ignorância, já lançou sobre ele todas as suspeitas e injurias possíveis. Olha fixamente para o aparelho como se estivesse cagando para o mundo e bate palmas acompanhando a música. Num determinado momento, quando a música cessa, dirijo-lhe a palavra. Ele me contesta gentilmente em francês. Veio do Egito. Não do Cairo, mas da Alexandria. A música retorna. Ele resmunga, desliga o celular, pigarreia e recita a media voz, para mim, mas para que todos do café possam ouvi-lo, um breve parágrafo de Cioran, sobre Diógenes :
[... O pensador que reflete sem ilusão sobre a realidade humana, se quer permanecer no interior do mundo, e elimina a mística como escapatória, chega a uma visão na qual se misturam a sabedoria, a amargura e a farsa; e, se escolhe a praça pública como espaço de sua solidão, emprega sua verve zombando de seus ‘semelhantes’ ou exibindo seu nojo, nojo que hoje, com o cristianismo e a polícia, já não poderíamos nos permitir. Dois mil anos de sermões e de códigos edulcoraram nosso fel… Aliás, em um mundo tão apressado, quem se deteria para responder a nossas insolências ou para deleitar-se com nossos latidos?] Fez um breve silêncio e citou a fonte: O CÃO CELESTIAL (por: Emil Michel Cioran, (in: Breviario de podredumbre, p. 82)
Me despedi. A tarde estava ganha! E la nave va...
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