Num livreto de Kafka, que leva o título de um de seus breves textos: A grande muralha da China, (Publicações Europa-América, p.p. 18,19, Sintra, 1976) tratando, como sempre, do absurdo da vida e da esdrúxula condição humana, Kafka reproduz esta parábola, que me parece uma preciosidade.
[...Conta-se que o imperador te mandou uma mensagem a ti, humilde vassalo,
sombra insignificante que lá muito ao longe se encolhe toda perante o sol imperial;
o imperador, do seu leito de morte, enviou-te uma mensagem, só a ti. Ordenou ao
mensageiro que se ajoelhasse junto da cama e segredou-lhe a mensagem; tanta
importância ela tinha para ele que ordenou ao mensageiro que lha repetisse ao
ouvido, baixinho. Então, com um aceno de cabeça, confirmou-lhe que estava
certa. Perante os espectadores da sua morte, alí reunidos - foram deitadas
abaixo todas as paredes que impediam a visão e sobre a alta e espaçosa
escadaria erguiam-se, em circulo, os grandes principes do império -, perante
todos estes, ele transmitiu a sua mensagem. O mensageiro parte imediatamante
para a sua viagem; um homem resistente e infatigável; ora empurrando com a sua
mão direita ora com a sua mão esquerda, ele abre caminho por entre a multidão;
quando encontra resistência aponta para o seu peito, onde brilha o simbolo do
Sol; a ele facilitam-lhe mais o caminho do que a qualquer outro. Mas as
multidões são muito vastas; o seu número é infinito. Se ele pudesse chegar aos
campos abertos, que depressa ele voaria, e em breve, sem dúvida, ouvirias o
martelar bem-vindo dos seus punhos na tua porta. Mas, em vez disso, como é
desperdiçada a sua força; ele ainda só está a abrir caminho através dos salões
do palácio mais interior; nunca mais ele conseguirá chegar ao fim deles; e, se
o conseguisse, isso de nada valeria; a seguir teria de conseguir passar pela
escada; e, mesmo que conseguisse descer, nada teria conseguido ainda; haveria
ainda que atravessar as cortes; e, depois das cortes, o segundo palácio
exterior; e novamente escadas e cortes; e mais outro palácio; e assim
sucessivamente, durante milhares de anos; e, se, por fim, ele conseguisse
atravessar o último portão exterior - mas nunca, nunca, isso poderá acontecer-,
a capital imperial estaria a seus pés, o centro do mundo, cheia, quase a
rebentar, dos seus próprios sedimentos. Ninguém conseguiria abrir caminho por
aqui, nem com uma mensagem de um homem morto. Mas tu sentas-te à janela quando
a noite desce e sonha com isto no teu intimo...]
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