quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Dialética da natureza


No princípio, sempre que passeava com meu cachorro pelas entre quadras ficava um pouco intimidado ao ver os donos de outros animais levando luvas e um saco plástico com os quais recolhiam obsessivamente seus excrementos. Aquilo sim era um exemplo de cidadania – murmurava sempre o porteiro do prédio vizinho e quando eu lhe dava ouvidos mais do que devia, descambava a falar que na Alemanha a multa para quem deixasse uma cagada na grama era de duzentos euros. Só comecei a ficar mais relaxado e ter uma visão mais autêntica sobre minha pseudo-negligência quando percebi que atrás de meu cachorro se formava diariamente uma fila imensa de pássaros: bentevis, rolinhas, joão-de-barro, pardais, sabiás e até mesmo um pica-pau daqueles de peito amarelo e que todos se digladiavam vorazes para banquetear aqueles biscoitos fumegantes que meu lhasa ia soltando pelo caminho. Ora! A partir daí foi fácil para atingir o insight que me faltava. Eu e meu cão é que éramos os verdadeiros cidadãos! A dupla politicamente correta! Nós é que estávamos sendo úteis, não apenas para com o IBAMA, mas principalmente para com o ecossistema. Pensar com a própria cabeça é dar-se a chance de descobrir que, às vezes, os remédios importunam mais do que a própria doença.


Ezio Flavio Bazzo

Um comentário:

  1. al-ghazaaly, filósofo árabe do século xi dc./ v h. (marcação do calendário islâmico) escreveu uma obra cujo título era tahaafut al-falaasifa (a destruição dos filósofos). sua intenção era o de estabelecer como falsa as doutrinas dos filósofos árabes helenistas ao mesmo tempo que estabelecia o alcorão como o único caminho à verdade. porém, o resultado foi um dos melhores tratadores hereges já escrito - mesmo tendo sido considerado pelos árabes um hujjat al-islaam (o garante do islãm). a heresia subliminar foi que, sem querer, al-ghazaaly instituiu o ato de viajar como único salvador do erro. ou seja, é só sair do conforto do lar que o mundo acontece. mesmo que palavras sirvam como encaminhamentos, somente a embriaguêz de nossas paixões nos servem realmente para alguma coisa. ezio aquece-te, pois, à luz de tua própria sabedoria!

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