Tanto em versos como em prosa, os textos de Plínio de Aguiar produzem sentimentos contraditórios: uma espécie de arrebatamento estético por um lado e um desconforto existencial por outro, como se, através de seu engenho poético estivesse instigando seus leitores a exigirem da vida, e do mundo, nada menos do que o impossível.
A impaciência e a aflição que se adivinham escondidas em cada verso nos remetem àquele velho literato argentino para quem o estado perfeito do homem “es um estado de ansiedad, de anhelación y de tristeza infinita...”. Cito Borges, porque é conhecida e indiscutível a minha preferência pela prosa.
Assim, ao invés de mencionar apenas poemas de Plínio, contidos em Lira rústica, permito-me tornar públicos alguns fragmentos impressionantes que o poeta baiano registrou em suas cartas recentes:
“...andava à noite pela orla, vendo o mar negro como um imenso caranguejo que no futuro breve devorará as praias, as cidades vizinhas, que virarão esqueletos de concreto...”
“Daqui a uns 4,5 milhões de anos o sol apagará. Talvez fique só a beleza do ato, no fundo de tudo só fica alguma beleza, efêmera também. Talvez a concepção platônica de idéia de beleza igual à de verdade seja uma boa. O belo é verdadeiro, o verdadeiro é belo. O espetáculo das torres é de uma beleza sem fim, apesar de dantesco e cruelmente verdadeiro. Além de tudo isso, não me levo muito a sério, aliás deixei de levar-me há muito tempo, o que contribuiu para meu autoconhecimento...”
E não me esqueço que é a ele que devo, além do privilégio da amizade, o interesse e o fascínio por dois dos mais importantes autores “marginais” de nosso tempo: Jean Genêt e Yokio Mishima. O primeiro, um poeta da transgressão erótica, defensor dos Panteras e autor de Diário de um ladrão. O segundo, autor de Sol e aço, traduzido por Paulo Leminski, era cultor das artes marciais, e um homem que não vacilou nem mesmo na hora H, quando, num ritual de protesto, praticou o seppukku, abdicando da vida. Curiosamente, só agora, quando trago à tona estas lembranças, dou-me conta de que nos textos de Plínio, até mesmo num bilhete improvisado, existe uma insistente fusão entre erotismo e arte marcial. Por exemplo, nos seguintes fragmentos de dois poemas:
“Olhar, construir o modo de morrer/
narrar como se fosse importante/
o homem que come dorme trepa...//”
(Ferrovila)
“Há de odiar o teu sono, que resvalou/
escorpião de entre os pelos tímidos/
do precipício de tuas nádegas/
ao sinal discreto da nuca,/ alva.//”
(Sono em close)
Professor, filósofo, faixa-preta de karatê. Perfil mais do que suficiente para construir um texto que não apenas impacta, mas que — como escreveu Freud a respeito dos poetas — nos suborna com o prazer que a exposição de suas fantasias nos proporciona. Mas, é bom saber que o autor de Lira rústica não é apenas isto, é também um tipo novo de místico... sim, de místico, que inclusive acaba de asilar-se no sertão:
“Do quarto de onde escrevo sigo olhando para o jardim da casa, vejo rosas brancas, amarelas, rosas rosas, o sol ensaiando seu quotidiano implacável na caatinga, silêncio, ar puro, estou no sertão...” (Fragmento de carta).
Ezio Flavio Bazzo
ah, bunbu itchi! "a espada e a palavra juntas"! novamente realizadas. sem objetivos práticos, e um leve aprimoramento do prazer estético. sem desperdício de si próprio. intuição especial. condições onde qualquer golpe se espiritualiza. a cada texto-porrada dessa curva da internet, continuo erguido com um provérbio zen que gosto muito: "só encontrará a sua vida aquele que a perdeu".
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