sábado, 15 de fevereiro de 2025

Trapaças... & memórias...



Ao invés de pousar em Curitiba, você pousa em São José dos Pinhais (sempre um nome de Santo)... e como a máfia dos taxistas é implacável, dali não há trens e nem ônibus para Curitiba. Só taxi ou UBER, que é apenas uma variação da mesma turma... Se o motorista te achar com cara de estrangeiro babaca te arrancará 20 dólares para o destino final. Que tal? Reclamar? Bobagem! É o samba do imigrante loiro e doido...

São José dos Pinhais... São José das Perobas... Das jabuticabeiras...

Volto mais cínico do que nostálgico pelas ruas outrora percorridas, cinquenta e cinco anos depois. Estão todas iguais e no mesmo lugar. As pedrinhas portuguesas e as putinhas daquela época... seriam as mendigas ou as madames de agora? Seriam as vendedoras de bilhetes, de pastilhas, de santinhos da Nossa Senhora das Graças? Ali está o prédio antigo da Farmácia Steffeld. Os balcões de madeira, as prateleiras, os potes onde se engendravam as pomadas e os placebos. Uma japonezinha centenária diz lembrar-se daqueles tempos, porque passava lá para encomendar os remédios para seu filho que falsificava receitas e que se enchia de barbitúricos. Morreu chapado e afogado na Ilha do Mel... As injeções que nunca curaram nada, a policia, a pensão da Coronel Dulcídio, a Confeitaria das Famílias que já se desfizeram... e aquele colégio onde se falsificavam ou se compravam notas e diplomas. A única memória que tenho daquele collegium foi do dia em que uma aluna, extremamente magra, com os dentes e as unhas manchadas de cigarro, subiu ao tablado do professor e fez um streptease. Os ossos de sua bacia, o pubis saliente e os pentelhos lisos, absolutamente lisos como o das tailândesas. Sim, foi um horror, mas talvez a aula mais fundamental de minha vida.

A existência. O horror e o lero-lero da existência. A cultura. O desespero da juventude traída. As manhas e taras da Idade Média que insistem em permanecer por todos os lados... E as pedrinhas portuguesas correndo sob meus pés. As repúblicas de estudantes, aquela espécie de orfanatos e de puteiros, uma mais melancólica do que a outra. O culto problemático às famílias, às religiões, ao trabalho, ao dinheiro e à gerontocracia... A miséria apitando a cada esquina e todas as apostas estavam no amanhã, sem que ninguém suspeitasse que praticamente todos os cofres do porvir estariam vazios... Foi um milagre ter zarpado daqui... ter me lançado para o outro lado de todas as mentiras do mundo. Volto agora, por apenas algumas horas, com uma clepsidra no bolso, o tempo suficiente para contabilizar alguns devaneios e algumas ruínas desse, digamos, hospício. Não aconteceu nada. Parece que não pode acontecer nada! Um ou outro dos antigos nômades, andarilhos e desertores, com suas desafinadas guitarras... aqui e ali, rogando por umas migalhas... E é só...

De madrugada, espiei a noite pela janela do oitavo andar. A brisa quase morna saindo da copa das árvores. A praça como um covil. Apenas alguns miseráveis e expulsos do mundo ainda trafegavam por entre os postes malignamente iluminados. São os mesmos que, durante o dia, buscam asilo e acolhimento na rodoviária. Lá, se arrastam e ocupam as toaletes entre os viajantes atrapalhados. O arrastar dos chinelos, as doenças quase terminais, aquelas bocas desfeitas mastigando sobras e aqueles olhares que praticaram e que sofreram tantos crimes. Depois, os painéis vão se apagando, a policia fica mais intolerante e vão sendo expulsos outra vez do paraíso e do mundo. Então, vão se enfiando entre paredes e ruínas, se enrolam na entrada dos bueiros, até que o resto da noite passe... e antes que um polícia psicopata ou um taxista borderline lhes destrocem os ossos...

Na camiseta em pedaços de um desses homens, a frase: E se vos ofendo, soprai minhas cinzas...

Ali pelos lados da pastelaria Nakashima, uma senhora mendiga, transbordando afeto, como se me reconhecesse de algum lugar e ainda daqueles tempos, segurou-me pelo braço e recitou, de memória, este estupendo trecho da obra do Jamil Snege:

Ó noites de fausto e esplendor.

Ó ventos. Ó vórtices.

Escovas de pelo de rato, penteai-me.

Tiaras de unhas de gato, cingi-me.

Que uma túnica de asas de mariposa pouse sobre minhas espáduas como um beijo de veludo negro.

Azuis da Prússia, lilases da Pérsia, tingi-me.

Os pavões da Babilônia não me excederão nem as luzentes panteras dos jardins da Abissínia.

Quero-me bela esta noite, igual à rosa de Sarom, a mais formosa entre as filhas.

O grão-khan a meus pés, bailarei entre volutas de mirra e naftalina.

E comerei sanduíches, e beberei coca-cola, e fumarei maconha.

Oito doses de gim perfumarão meu hálito, oito doses de rum e nem me lembrarei da gastrite crônica.

Meus peitos, alvos como pombas, não murcharão feito morcegos - mas terão o viço dos filhos gêmeos da gazela.

E aí se fartará a mão de um príncipe, nas fendas entre as penhas.

Pois que só um príncipe, acostumado aos jogos do amor e da guerra, saberá como cingir e docemente assaltar minha cidadela.

Se voltarei a casa de ônibus, num táxi ou no galope de um corcel ligeiro, isso pouco importa.

Só quero que seja tarde, só quero que seja dia.

Toparei com o açougueiro, darei adeuses aos meninos, e à porta me seguirá a inveja com suas violáceas olheiras.

Sou eu, a velha, a viúva, a costureira?

Sou eu que tinjo de opróbrio

nossa honrada manhã operária?

Lamento, vizinhas, a vida são só felonias. Eu sou uma rainha...











7 comentários:

  1. Ler você dizer que a existência é um terror e ter que concordar é foda...até porque hoje mais que nunca qualquer cretino escutando fuck carioca tá com uma gostosa( uma idiota na verdade) do lado. Qualquer aventura é vã...esse mundo realmente foi dominado pelos imbecis.

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  2. Em minha mrmória, Curitiba era, na década de 70, uma das melhores capitais do Brasil. Modernizaram o transporte urbano e ela sempre manteve um ar europeu com frio de gelar os ossos. Não dava para passar por Curitiba no inverno sem tomar umas boas doses de conhaque! Mas, minha memória é trapaceira kkkkk

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  3. Povo preconceituoso...fuckoff!

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  4. Fuckoff para vc tamɓém!

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    1. Deixa de ser burro...eu fiz uma generalização seu imbecil!! Você é Curitibano!? Católico e flamenguista provavelmente!!?? Eu sou apenas EU seu idiota!!

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  5. Respostas
    1. Olá Juárez! Tudo certo?
      Encontrei.
      E ele estava lá num banco da Praça Osório, ainda com a mesma maleta da multinacional de medicamentos, dividindo uma marmita com sua mulher, uma jararaca de uns 130 anos, com o braço esquerdo engessado. Foi na camiseta dele que vi escrita a frase do Jamil Snege: E SE VOS OFENDO, SOPRAI MINHAS CINZAS.

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