terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Num gesto parecido a nepotismo, o Papa argentino canoniza a beata argentina Mama Antula. Mas... e o Maradona?

 


"Dizem os gregos: Seu filho é um idiota? Faça dele um pope!"

Clemenceau, 1914



Nada, absolutamente nada contra essa moça, quem nunca vi e de quem nunca ouvi falar. Sei, agora, pelos jornais que ela se dedicava a amenizar a aporofobia das elites, bem como a injetar uma ou outra esperança na desgraça do lumpemproletariado argentino, e que 'curou' dois ou três sujeitos, um que havia tido um suposto derrame, o outro uma suposta hipoglicemia e o outro.., sei lá, uma gripe imaginária... 

Canonizada! Tornada Santa! Ora, isso, além de comprometer o Curriculum social da morta, é uma infâmia que só tinha algum sentido lá nos primórdios da humanidade, quando ainda não nos diferenciávamos muito dos quatis e das raposas... mas agora! Não é possível que o catolicismo, que se jacta e se gaba de ser, entre milhares, a seita mais poética de todas, continue promovendo esse tipo de folclore, pois isso cai como uma tonelada de granito sobre a intenção de, um 'belo dia', a manada poder encontrar um sentido para a existência, emancipar-se de todas as baboseiras vigentes e dar um passo em direção à dignidade... Sorte que, como escrevia Victor Hugo, "hoje o homem semeia a causa, amanhã deus faz morrer o efeito..."

Além de uma malandragem eleitoral e metafísica, aqui entre nós: qual é o sentido dessa prática? Como explicar essa cretina obstinação em permanecer na Idade das trevas!? E depois, as paredes de nossos cortiços já não suportam e não têm mais espaço para tantos quadros de prestidigitadores, milagreiros e de santos. E, curiosamente, a cada ano que passa, a humanidade mergulha numa desgraceira e numa esterqueira ainda mais melancólica e insalubre!

Apesar de chamar-se Maria, seus marqueteiros preferem chamá-la Mama Antula, o que lembra a Pacha Mama, a deidade maior dos silvícolas andinos... (Yo sou Maria de Buenos Aires!!! Maria del amor de Buenos Aires sou yo!!! Soy la más Bruja cantando y amando también...) Oxalá ela não faça sombra à Santa Evita, ao Santo Maradona e consiga fazer o milagre de tirar a Argentina do charco em que se encontra há mais de 100 anos...

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E, como não tenho nada com isso, quero esclarecer que trago esse fato à tona, apenas por curiosidade antropológica e psicopatológica (digamos que, para tentar uma fenomenologia da trapaça) e porque isso coloca em xeque a ideia do Santo Monteiro Lobato de que uma nação se faz com homens e com livros. Ora, nos anos 70/80, Buenos Aires era, literalmente, uma biblioteca a céu aberto. Um puchero aqui, outro puchero ali! O perfume gardênia das mulheres da noite, pelas calçadas de Palermo;  falava-se que Paganini havia aparecido por lá para dar seu show no Teatro Cólon - segundo os portenhos -, um dos que dispunham de melhor acústica no mundo. Borges, Arlt, Marie Langer... E todo mundo lendo, desde os ladrõezinhos da Calle Florida até as vacas sagradas do peronismo estudavam psicanálise e mais tarde, na Universidad Nacional Autonoma de Méjico UNAM, davam provas de saber tudo sobre Lacan. Sem falar que hoje, só na Avenida Corrientes, existem mais de 50 livrarias. E quando falo livrarias, são livrarias de verdade, não papelarias que vendem lapiseiras, apostilas para cursos intensivos, O menino maluquinho, as reeditadas trapaças de Harry Potter, Paulo Coelho e livros de auto-ajuda... Me entendem?

Caralho! Mas então, os livros e a leitura não servem para nada?

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EM TEMPO: "Dom Sancho, segundo filho de Alfonso, rei de Castilha, estando em Roma foi proclamado rei do Egito pelo papa. Ao ouvir  os estrepitosos aplausos que essa nomeação provocou na assembléia, o príncipe perguntou a seu intérprete de que se tratava: "Senhor, lhe disse o intérprete, o papa acaba de declará-lo rei do Egito..." - Sendo assim, não devo mostrar-me ingrato, respondeu o príncipe, levanta-te e proclame o papa, califa de Bagdá..." (ver:  Dicionário Infernal, por M. Collin de Plancy, p. (?). Barcelona, 1842.













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