"As religiões são basicamente superstição organizada. Apoiam-se não na razão, e sim na ignorância e nas emoções - em particular nas paixões da esperança e do medo..."
Baruch Spinosa
(In: Tratado teológico-político)
Fantasiado de branco, o mendigo K estava sentado num meio fio no interior da rodoviária.
Baruch Spinosa
(In: Tratado teológico-político)
Fantasiado de branco, o mendigo K estava sentado num meio fio no interior da rodoviária.
Parecia Zen e sem incomodar-se para nada com a fumaceira que saía do escapamento da frota sucateada de ônibus.
Dizia a um outro mendigo em absoluta indigência: Desde criança tenho um interesse especial por magias e feitiçarias. Ainda criança, depois de ir a um circo, fui tomado por este fascínio. Tapetes voadores, milagres, encantadores de cobras, ressurreição dos mortos, curas, os mirabolantes cenários que os bêbados conhecem em seus delírios, tudo isso é deslumbrante... E as bibliotecárias são testemunhas de que eram as prateleiras que continham obras sobre esse assunto que mais me atraiam. A idéia de transformar água em absinto ou a dos alquimistas de transformar pedra em ouro me pareciam o máximo, e não por avareza, mas por luxúria. A capacidade de um palhaço tirar um coelho da cartola me transportava para fora deste mundo e alterou minha vida para sempre. O Circo Garcia fez por minha auto-estima, por meu amor próprio e por minha educação mais do que todos os livros sagrados e do que todas as universidades juntas... E não pense que isto foi um capricho apenas de minha infância, não, até hoje isto me fascina! Quando escasseia o material que disponho sobre a temática, costumo recorrer, sabe a quê? À Biblia. Sim, à Bíblia. De ponta a ponta! Desde a primeira linha do Gênesis até a última do Apocalipse há anedotas e fábulas repletas de magia e de feitiçaria. Aquela de Moisés abrindo um caminho entre as águas do Mar Vermelho, por exemplo, me parecia o máximo. E aquela do sol parando no espaço para dar mais tempo para Josué massacrar os inimigos de Israel.., esta me tirava o sono...... Mas, a mais eloquente e fascinante daqueles tempos e até hoje é a conhecida por Vara de Aarão. Lembra?
Como o outro mendigo parecia ter entrado em estado cataléptico ele repetiu a pergunta três vezes: Lembra? Lembra? Lembra da vara de Aaron? Como saído de um sono profundo o mendigo retrucou-lhe com enfado: Não cara! Não lembro porra nenhuma, muito menos da vara de Aarão! Meu tipo de literatura fantástica é outro! Leio Borges e Edgar Allan Poe!!!
Aarão estava numa reunião com o faraó de plantão - o Mendigo K foi contando como uma tia que conta uma história infantil a uma criança - para negociar uma saída pacífica dos judeus do Egito. Em determinado momento, não se sabe porque Aarão se estressou e jogou sua vara (bastão) aos pés do soberano egípcio e esta se transformou imediatamente numa serpente. O faraó não se intimidou, pelo contrário, mandou chamar seus guarda-costas e seus feiticeiros que ao chegarem ao local da reunião também jogaram suas varas ao chão e elas, como a de Aarão também se transformaram em víboras...
Fez um breve silêncio e perguntou: Isto não é o máximo da porra-louquice???
Para em seguida concluir: Mas tem mais. A vara de Aaron transformada numa serpente, devorou todas as serpentes originadas nas varas dos feiticeiros do faraó...
Isto não é o máximo do charlatanismo e o climax de uma piração geral??? Um retrato de nossa indigência metafísica?
Como e onde encontrar saco e paciência para suportar essa mixórdia mental???
Como e onde encontrar saco e paciência para suportar essa mixórdia mental???
Explodiu numa gargalhada e entrou clandestinamente no primeiro ônibus que partia.
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