"A bicicleta é um boi volátil cujo epicentro se situa sob o esfincter anal do pedalante."
"Seus caracteres principais são um caráter dúctil e amoldável, o repentino trintinar nas curvas e, para os mais aficcionados, uma ânsia de levitação que os leva às vezes à mesa dos hospitais com fratura exposta. É imponderável como o vento e, à noite, sua carcaça onírica assume feições puramente maquiavélicas - o que a torna um animal ideal para longos voos rumo ao infinito. Seu número de ordem é 6.666, e o apito do guarda o mais que consegue é fazê-la rir com os seus raios concêntricos e sua luz opalescente, tão diversos da mastodontice de um Rolls-Royce e sua fera covardia.
A bicicleta não se submete a nenhuma dieta macrobiótica e sua armadura esguia só não lembra mais o Dom Quixote porque é o próprio, a lança em riste representada pelo olho do pedalador ou seu pênis: léguas e léguas de caminho virgem a estuprar, o espadanar do sol sobre a viseira erguida, o desafio da lua a seguir-lhe os rastros, o deslumbre das estrelas..."
Página108, Cartas de viagem e outras crônicas, José Olympio Editora, 2012.
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