A cadeia e as tábuas da lei...

"Todos roubam - contava ele, altiva e sonoramente - trapos (isto é, roupas) de todo tipo. Já eu - roubo livros. Todos os meus companheiros riam de mim. Certa vez roubei toda uma biblioteca e a levei num caminhão. Por Deus, é a pura verdade..."

Página 127 Ensaios sobre o mundo do crime (Varmam Chalámov)

Acabo de receber a lista dos livros que Lula já teria lido nos dois três meses que está preso. 21! 

Excepcional! Duvido que os professorzinhos de plantão que se pavoneiam por aí tenham tido, nos últimos meses, performance semelhante... 

Entretanto... não apenas pela noticia ter me chegado através de seus sectários seguidores, mas por outras razões lógicas e relacionadas principalmente com a história e com o tempo, sou cético. Não acredito!  Não acredito mas reconheço que mesmo que tudo não passe de uma lorota, já é o primeiro passo para tornar-se um intelectual e para incentivar a leitura. 

Se tivesse feito isto durante seus quase quinze anos de governo, as escolinhas não seriam a miséria que são, o número de analfabetos não seria tão assustador e teria recebido o Nobel ou, pelo menos, o Politzer. 

A lista é interessante, vai de Olavo de Carvalho a Palmirinha, passando por Kafka e pelo senhor dos anéis. E, claro, por Papillon. Quem lhe teria levado esses títulos até a cadeia? Já que a idéia é política/eleitoral e romântica, esqueceram de levar-lhe Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos; os Cadernos do cárcere, de Gramsci; o Diário da prisão de Ho-chi-mim; os rabiscos de Mandela e claro: O poderoso chefão.. e A vida do Padre Cícero... 

O titulo mais enigmático que está na lista (e também aqui na minha estante) é o de Mark Manson: A sutil arte de ligar o foda-se. É compreensível que depois de ter ocupado o lugar de presidente de uma nação por tanto tempo e de ter testemunhado a miséria, a bajulação e a subserviência desprezível do rebanho, o sujeito sinta-se tentado a ligar o foda-se...

Apesar de todos os juízos em contrário, inclusive meus, a prisão é, finalmente um lugar onde,  - por alguma razão ancestral ainda não compreendida - se deseja estar um dia e não apenas para ver-se livre do rebanho e do IPVA, e do IR, e do condomínio, e do dízimo e da feira de sábado pela manhã, e do jornal que enfiam sob a nossa porta, da obrigação de "ser" alguma coisa e, claro, de livrar-se para sempre da escravidão remunerada... Mas também para desfrutar da solidão terapêutica que a prisão propicia... Para usufruir do lugar de onde, finalmente, se pode ver com total amplitude, mesmo que pelas grades, o desvario demente e psicopatologico da vida cotidiana e do rebanho.., da turba alucinada que, lá do outro lado dos muros, se acha leve, livre e solta... 

E depois, todos sabem, dificilmente alguém conquistou algum lugar de destaque (de santo ou de herói) no mundo da ficção e da mística sem ter passado antes por um massacre ou por uma prisão. E o efeito mistificatório nunca é sobre o prisioneiro, mas sobre os que ficaram lá fora, do outro lado das grades e até mesmo sobre os carcereiros... O pré requisito básico para ser elevado ao pódio de charlatão? Ter nascido de uma família nobre ou ser um fodido e ter surgido do nada.
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Observação: prestem atenção como o país tem, histórica e sistematicamente, numa espécie de apologia da mediocridade, confinado e destruído aqueles sujeitos que (de esquerda ou de direita) se mostraram mais lúcidos do que as massas...