Neste domingo nublado, avistei o mendigo K. (lá pelas 9:00 horas) que estava diante da porta de uma biblioteca com duas pastas embaixo do braço. Resmungava porque havia lido o bilhete grudado na vidraça dizendo que não funcionaria hoje. Mas hoje é domingo! Lembrei-lhe. Ele soltou um palavrão, remexeu numa das pastas e me sugeriu: Se você tem em casa todos os volumes da Comédia Humana, de Balzac, não deixe de dar uma olhada na nota da página 163, volume V., onde ele menciona parte do texto de um escritor alemão Jean-Paul Richter (1763-1825). É o fragmento de um texto intitulado Sonho e que é mais ou menos assim: "O autor sonha estar num cemitério e vê os mortos saírem de seus túmulos e perguntarem ao Cristo: Não há Deus? E ele responde: Não há. Depois do que as sombras se põem a tremer e desaparecem. Aparecem, em seguida, as crianças mortas, que vêm perguntar ao Cristo: Jesus, não temos pai? E ele responde, desfeito em lágrimas: Todos somos órfãos".
Concluiu a frase e agregou: coisa de alemães! Explodiu numa gargalhada...
Logo em seguida, já do outro lado da rua, gritou-me: "Ei, Bazzo, e por falar em cemitério, eu que já tenho mais de meio século, plagiando a John Keats, já sinto as margaridas crescendo sobre meu corpo". E explodiu em outra gargalhada...
El epitáfio de John Keats: Aquí yace alguien cuyo nombre se escribió en el agua.
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