Discurso aos lixeiros...

Deparei-me nesta manhã de quinta-feira com o mendigo K. Estava numa rua de restaurantes sofisticados e observava um desses barulhentos caminhões que recolhem lixo com seus cinco ou seis operadores que, vestidos de amarelo, corriam para lá e para cá, de um container a outro abraçados a caixas, pacotes e a sacos de lixo. Um odor irritante de excrementos flutuava no ar e se confundia com a penugem volátil dos pombos que desde a madrugada vão ali em busca de migalhas e para desovar seus piolhos .

-Me diga se isso é vida. Falou-me quase aos gritos, com os olhos injetados de cólera e apontando para aqueles trabalhadores submissos, resignados, humilhados, fodidos e mal pagos...

-E ainda existem por aí uns padres e uns políticos fdp que ficam querendo dizer que o trabalho deles é nobre, dignifica, os torna honrados, serve de exemplo para a juventude e para a maioria dos que passam a vida inteira coçando a vulva ou o saco nas janelas ou no remanso das alcovas... Escravidão! Pior que a escravidão! Ficar diariamente recolhendo a merda, o vômito, os restos de comida dos outros... isso é pior que a escravidão! E sabe quanto ganham? Nem o suficiente para comprar papel para limpar-se o cu...
Depois, citando a Cícero e já num tom mais ameno completou com algo meio fora do contexto, mas de extrema importância:  "O que pode sair de uma tenda que seja honrado? E o que pode fazer o comércio que seja honesto? Tudo o que tem relação com o comércio será, por definição, indigno de um homem honesto... Os mercadores não podem obter benefícios sem mentir, e o que existe de mais vergonhoso que a mentira? Assim, pois, devem ser olhados como algo baixo e vil todos aqueles que vendem sua vergonha e sua indústria, pois qualquer um que oferece seu trabalho por dinheiro está vendendo a si mesmo e se coloca na categoria dos escravos..."