No início deste ano, o Tribunal Constitucional da Alemanha se pronunciou sobre um pedido de dois cidadãos que praticam a zoofilia.
Nos documentos enviados, defendiam que quem sente atração por bichos e
deseja manter relações sexuais com eles não pode ser criminalizado. Isso
porque, desde 2013, a legislação estabeleceu multas de até 25 mil euros
(cerca de R$ 100 mil) para quem forçar “qualquer atividade contra a
natureza das espécies”. Ou seja, o sexo entre humanos e animais é
proibido por lei lá. Nem sempre foi assim: em 1969, a Alemanha legalizou
a prática desde que não houvesse “maus tratos significativos”. Foram
décadas de protestos até que a decisão acabasse revertida.
A
suprema corte negou o pedido dos alemães (com identidade sob sigilo)
afirmando que proteger o bem-estar dos animais inclui evitar que eles
sejam vítimas de ataques sexuais. Os ativistas do Zeta,
sigla alemã para “Engajamento Zoófilo pela Tolerância e Informação”, se
manifestou contra o tribunal. Para eles, os animais são “parceiros” e
“não forçados a fazer nada”. Fiz a entrevista abaixo, por email, com
um porta-voz dessa comunidade zoófila. Bibliotecário formado, parece um
homem de meia-idade que trabalha na equipe de computação de uma
biblioteca na Alemanha.
Antes
que você leia minhas perguntas e as respostas do zoófilo MKI (codinome
com o qual ele se apresentou), algumas informações importantes. No
Brasil, embora o Código Penal não aborde o tema, a Lei de Crimes
Ambientais determina prisão de três meses a um ano para quem “abusar,
ferir e mutilar animais”. Apesar disso, é comum ouvir casos de garotos
do interior que perdem a virgindade com cabras, bezerros etc. Ou mesmo
de adultos isolados em fazendas e sítios. A zoofilia foi considerada um
transtorno sexual descrito no DSM, o manual internacional de
diagnósticos mentais - espécie de Bíblia dos psiquiatras e psicólogos.
A zoofilia é apenas uma das parafilias, nome técnico que abrange as fantasias sexuais fora do comum.
Outros exemplos de parafilias: pedofilia (crianças), necrofilia
(cadáveres), sadismo (provocar dor e/ou humilhação no outro) etc. Em
geral, os parafílicos sentem desejo sexual e se satisfazem
exclusivamente de um jeito ou com uma coisa. No caso dos zoófilos, com
os animais. Segundo o Ambulatório de Parafilias e Transtornos de
Preferência Sexual da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o
tratamento das parafilias inclui acompanhamento psicológico e, muitas
vezes, uso de remédios.
***
É importante dizer que a autora deste texto (eu!) não incentiva nem
defende a zoofilia. Como pós-graduada em educação sexual e jornalista,
apenas julguei interessante entrevistar o zoófilo MKI após saber da
decisão da corte alemã.
- Quando e como você se descobriu zoófilo?
MKI
– Quando eu era criança, os animais apareciam como pessoas nas minhas
histórias e devaneios. Não sei dizer o motivo. Cresci e as minhas
imaginações eróticas estavam focadas exclusivamente nos animais. [No site da comunidade, ele descreve que teve seu primeiro contato sexual com animais aos 15 anos].
Quando os outros meninos começaram a falar sobre garotas, percebi que
eu não me interessava pelo corpo feminino. Achavam que eu era gay, mas o
corpo masculino também não me atraía. Senti que havia algo de errado
comigo e precisei esconder isso. Não foi uma decisão racional, mas
emocional. Eu tentei me adaptar às regras sociais, negando a mim mesmo.
Eu até me casei, mas sempre me senti um alienígena. Tive alguns
episódios depressivos porque essa negação me consumia mentalmente. Então
descobri grupos de zoófilos na internet no final dos anos 1990. É um
processo de autodescoberta que ainda não terminou.
- Você foi casado então? As pessoas da sua família e seus amigos sabem que você é zoófilo?
MKI
– Fui casado, sim. Minha esposa me deixou porque comecei a falar
abertamente sobre os meus sentimentos. Tenho duas irmãs e um padrasto
que não são entusiastas da zoofilia, mas me aceitam como sou. A maioria
dos meus amigos atuais são zoófilos também. Como dou entrevistas sobre o
assunto, muita gente acabou sabendo. Fora os fanáticos contra a
zoofilia, ninguém parece se importar.
- O que é a zoofilia? Um fetiche/sadismo sexual?
MKI
– Alguns acreditam que seja algo anormal e aberração… Mas a zoofilia é a
inclinação emocional que leva a preferir os animais como parceiros
sociais e sexuais. Não é um fetiche porque você não escolhe ser zoófilo.
Nem sadismo porque não somos movidos pelo desejo de dominar o animal,
mas pela proximidade emocional com ele. Existem fetichistas e
“zoo-sadistas”, mas eles não são zoófilos.
- Você acha que a pessoa nasce zoófila?
MKI
– Seria interessante que um cientista estivesse estudando o assunto.
Pessoalmente, acho que não. Acho que você tem que nascer com uma
sensibilidade aprimorada para se sintonizar com os animais e compreender
os sinais que eles dão.
-
Você escreve que é importante distinguir a zoofilia de um abuso sexual
contra animais. Se esse comportamento não fosse violento, por que seria
crime em muitos países?
MKI
– Por uma série de motivos. Nossa cultura judaico-cristã coloca os
homens como superiores em relação aos animais. A zoofilia é um tabu,
então zoófilos vivem vidas secretas – o que é perfeito para justificar o
medo que as pessoas têm do desconhecido. Agora que os zoófilos vêm a
público, esse medo sombrio ferve.
- Em qualquer situação sexual, consentimento é essencial. Você acha que animais são capazes de consentir no “sexo” com humanos?
MKI
– Animais são capazes de consentir. Isso é evidente em machos [que têm
ereção] ou nada aconteceria. As fêmeas [interessadas em sexo] lidam com
os humanos da mesma forma que lidam com machos da sua própria espécie.
Se a experiência for boa para ela, vai querer de novo e usar sua
sexualidade como uma ferramenta… [No site da comunidade, afirmam que
os animais se comunicam com humanos “por expressões faciais, linguagem
corporal e sons – rosnam, ronronam, choramingando etc”. E que, se somos
capazes de identificar quando estão com fome ou cansados, “por que um
homem não conseguiria perceber se o animal quer ou não ter relações
sexuais?”].
- De que tipos de animais estamos falando? Cachorro, gato, cavalo…? Um zoófilo se sente atraído por qualquer bicho?
MKI
– Sim. Mesmo que realizar a atração sexual seja impossível se as
anatomias forem incompatíveis, por exemplo com ratos e serpentes. A
maioria dos casos de zoofilia envolve cachorros e cavalos.
- Quais são as práticas do “sexo” com animais?
MKI
– Qualquer coisa que seja prazerosa para ambos. Quase todos os zoófilos
que vivem junto com cachorros machos são sexualmente passivos [recebem
a penetração do animal, em vez de penetrá-lo. No site, afirmam que o
sexo entre humanos e animais pode incluir penetração, sexo oral e
masturbação].
- Os zóofilos são fiéis a um único animal?
MKI – Depende da personalidade do zoófilo. Existe de tudo.
- Acredita que a sociedade deveria aceitar o casamento entre humanos e animais?
MKI – Casamento é um conceito humano. Com certeza não é importante para os animais.
- Tem animais de estimação na sua casa? Faz sexo com eles?
MKI
– Tenho uma pastora alemã de 12 anos chamada Cessy. Nunca fizemos sexo
porque ela não quis desde o início. Ela é minha âncora emocional. Dois
gatos também vivem com a gente.
- Você transa com humanos ou eles não te atraem sexualmente?
MKI – Eu já cumpri meus deveres conjugais. Humanos não me atraem.
- A comunidade de zoófilos da qual você faz parte tem um “código de princípios”. Quais são?
MKI
– Oferecer aos animais a mesma bondade/gentileza que gostaria de
receber. O bem-estar proporcionado pela companhia de um animal deve ser
tão importante quanto o bem-estar dele. O bem-estar do animal deve estar
acima dos desejos sexuais da pessoa. Censurar a prática dos abusos
sexuais contra animais e sua exploração para ganhos financeiros.
Desencorajar a prática na presença de fetichistas.
- Então você não concorda com a pornografia que envolve animais?
MKI
– A opinião dos membros da comunidade zoófila varia, mas a maioria é
contra. O animal deve fazer sexo quando quiser e em uma produção pornô
ele DEVE fazer. E essa conduta é contra a ética que pregamos.
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*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria.
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