O Doente imaginário...

Cruzei nesta segunda-feira com o mendigo K. Estava numa das mil farmácias que há na cidade comprando uma caixa de um anticoagulante cujo nome real é rivaroxabana, mas que os médicos e os vendedores conhecem por Xarelto 15mg. Relatou-me em rápidas palavras que a aspirina não foi milagrosa como diziam e que teve um AVC isquêmico, fazendo o seguinte esclarecimento: o isquêmico não é o derrame. No derrame o sujeito se fode completamente, no isquêmico, há "apenas"um entupimento temporário de uma veia no interior da caixa craniana e o sujeito perde o rumo, fica como se estivesse bêbado, dorme em pé como um cavalo e coisas do gênero. Enfim, disse-me que passou cinco dias numa UTI onde todos os atendentes da enfermagem, da medicina e os paramédicos eram mulheres... Mostrou-me os braços todos cheios de picadas e confidenciou-me em off que apesar dos soros, fios, agulhas esparadrapos e cheiros sonhava todas as noites que estava num bordel e que aqueles personagens entravam em sua alcova não para verificar-lhe a pressão, os batimentos cardíacos, a oxigenação do sangue ou os níveis de glicose como faziam cotidianamente,, mas sim o tamanho, a espessura e a rigidez do membro....

Em seguida interpretou essa manifestação senil de perversidade como sendo um mecanismo psíquico para amenizar os horrores que aquele ambiente sempre  provoca nos internos...

Lembrei que em outra ocasião ele já me havia relatado que no tempo em que viveu em Paris sonhava frequentemente que acordava com uma atriz do cinema Novo Francês lhe fazendo um boquete....

Leu ou fingiu ler alguma coisa na caixa do rivaroxabana 15 mg e foi embora...

Fiquei imóvel por uns instantes olhando para aquelas prateleiras repletas de caixas e de vidros inúteis e pensando nesta frase terrivel de cioran: "não existe nas farmácias nada específico para a existência; somente pequenos remédios para os presumidos..."