quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL...

Deixando de lado as analogias religiosas e teístas que o autor (como italiano legítimo!) faz aqui e ali, este livretinho de 91 páginas (Le miserie del processo penale) escrito e publicado em 1957 por Francesco Carnelutti, é uma preciosidade na análise daquilo que se refere a precariedade do processo penal, da lei, da justiça, da verdade, da condição humana e das incongruências do judiciário e da imensa prisão onde todos, indiscriminadamente, nos debatemos... Deveria ser obrigatoriamente lido não apenas pela polícia, pelos promotores, pelos guardas de cadeia, pelos torturadores, pelos militares, pelos alcaguetes, pelos fabricantes de presídios, pelos juízes, pelos carcereiros, pelos alunos de direito e pelas máfias que subjugam o imenso pelotão de desvalidos..., mas pelos próprios delinquentes e bandidos, pelos milhares de miseráveis presos injustamente, esquecidos em pocilgas imundas e condenados à morte ou a prisão perpétua... Também pela multidão de mendigos que dormia neste final de semana ao redor da rodoviária de BH e pelos indigentes que fuçam diariamente os lixões no fundo de nossas casas...  Pelos tarados, pelos loucos, pelos ladrões, pelos familiares dos adolescentes que são ou serão semanalmente assassinados, pelos milhares de fumadores de crack que se multiplicam por aí, rumo ao cemitério, por aqueles que estão em vias de serem condenados e por aqueles que brevemente deixarão suas celas, aos pedaços... Enfim, por todos que assistimos e vivemos a capenguice do último rosário de séculos e o desvario desse tal processo civilizatório, recheado cada dia mais de equívocos, de cambalachos, limitações, mentiras, misérias, injustiças, explorações, sofrimentos, desonras e fracassos...

Escreve il signore Carnelutti:

"... o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização". (p .7)

"... os antigos reconheceram um caráter sagrado ao acusado, porque, diziam, era destinado à vingança dos deuses; assim eles intuíam uma verdade profunda." (p.16)

"... Existem aqueles que concebem o pobre com a figura do faminto, outros do vagabundo, outros do enfermo; para mim, o mais pobre de todos os pobres é o encarcerado." (p. 19)

"A jaula ou as algemas são símbolos do direito, e por isso revelam a natureza e a desventura do homem. O homem acorrentado, ou o homem na jaula é a verdade do homem; o direito não faz mais que revelá-la. Cada um de nós está fechado numa jaula que não vê..." (p. 23)

"... Nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar um outro homem, aceitaria ser juiz..."  (p. 34)

"O delito é um pedaço de estrada, cujos rastros quem a percorreu procura destruir... (p. 46)

"... A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude de garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa... (p. 48)

"... Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O individuo, assim, é feito em pedaços. E o individuo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido..." (p.p. 48, 49)

"... O acusado deveria ser considerado com o mesmo respeito que se dá ao doente nas mãos do médico ou do cirurgião..." (p. 56, 57)

"... Cada sentença de absolvição é a descoberta de um erro... (p. 68)

"... O Estado é um gigantesco robô, do qual a ciência pode fabricar o cérebro mas não o coração (...) Até um certo ponto o problema do delito e da pena deixa de ser um problema judiciário para ser somente um problema moral. Cada um de nós está comprometido, pessoalmente, na redenção do culpado... (p.p. 75,76)

"... Nosso comportamento frente aos condenados é a indicação mais segura de nossa civilidade..." (p. 76)

"... No cárcere perpétuo a porta da cadeia não se abre a não ser para deixar passar o cadáver. Isto quer dizer que para ele o processo não tem fim. E porque a penitenciária é ou deveria ser um sanatório para recuperar as almas doentes, a condenação ao cárcere perpétuo é a declaração de que a alma de um homem está perdida para sempre..." (p. 78)

"...  Ah! as ilusões do cárcere, quando se contavam ansiosamente os dias faltantes para a libertação... (...)  O Processo, sim, com a saída do cárcere está terminado; mas a pena não: quero dizer o sofrimento e o castigo... (p.p. 81,79)     

8 comentários:

  1. Eu ia pedir justamente para você postar pensamentos ou um resumo do livro mas você já fez. Obrigada. Muito bom o que diz o autor mas os homens não estão preparados ainda para entender o que ele está propondo. Seriam necessários novos homens, nova civilização.
    Eu já participei de um juri, para nunca mais. Saí dali aos pedaços. Foi uma das piores sensações da minha vida. Ficava pensando: o que eles estão fazendo? Que lugar é este? É uma peça de teatro. Como podem ter coragem de julgar e condenar alguém sem conhecerem a pessoa, sem saberem da realidade do ocorrido?
    O promotor acusa por acusar. O defensor defende por defender.Como? Como? Não podia sair correndo mas dava vontade. O julgamento durou 6 horas. Tudo naquele ambiente era lúgubre, feio, destruidor exatamente como a justiça humana.

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  2. "... Nosso comportamento frente aos condenados é a indicação mais segura de nossa civilidade..."
    Sabia! Nós brasileiros somos animais.

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  3. O ordernamento jurídico foi criado para proteger um pequeno grupo do "resto" da população, só... Eu sou a maior prova de que não existe justiça; de que todos são corrompidos; de que a corrupção é endêmica ao sistema; de que todo julgamento é subjetivo e direcionado aos interesses de quem julga... As Leis são cercas elétricas invisíveis, e se alguém encostar, morre.
    Depois de dezessete anos exilada, condenada por ter sido honesta (e ter recusado receber dinheiro do Governo), sob isolamento, monitoramento e tortura psicossocial, observando todos serem "comprados": juízes, militares, desembargadores, policiais, políticos, médicos, empresários, sindicalistas, porteiros, empregadas, executivos, agentes da inteligência, secretárias, taxistas, dançarinos, familiares, jornalistas, escritores, reportéres, engenheiros, advogados, psiquiatras, psicólogos, padres, engenheiros, pastores, freis, técnicos, motoristas, artistas, cantores, músicos, arquitetos, comerciantes, poetas, garçons, garis e mendigos; senti uma tristeza imensa por pertencer à raça humana...

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  4. É uma pena que, certas pessoas, para abrir coração têm medo de mostrar a cara (anônimo)... Por quê?
    Eu também há muito tempo sinto vergonha e ódio, mesmo, em saber que pertenço a espécie humana. Por isso mesmo coloco minha foto e endereço, caso algum bom cristão - político, pastor, "operadores do direito" ou qualquer outra "raça" semelhante - por discordar de mim, resolva me mandar "desta para outra"... rsrs

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  5. Se me mandassem dessa para melhor seria ótimo, porque eu encontria paz, mas os caras não querem me matar, e sim me torturar... Da última vez que postei o meu nome na internet ganhei um processo penal por calúnia e difamação, o qual estarei respondendo no dia 22 de janeiro, inocentemente, após ter sido roubada escancaradamente por um juíz... Ou seja, abri mais uma porta, para me roubarem novamente, e me desestabilizarem emocionalmente... Quem nunca foi exilado não tem idéia do que se trata, e fica fácil criticar...

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  6. É o que eu disse..."é uma pena", pois não estou criticando ninguém. Senão, ao contrário, lamentando de não poder conhecer melhor essas pessoas anônimas que muitas vezes marcham ao nosso lado, trilhando o caminho do mesmo calvário com as cabeças cobertas, como se tivessem vergonha de seus atos ou medo de seus verdugos.
    Se você soubesse um pouco do que já passei nestes últimos quarenta e poucos anos, com certeza, iria morrer de tanto rir, sem precisar ficar "desestabilizada" emocionalmente... Levando a coisa como se fossemos apenas um espectador a contragosto desta grande farsa.
    Priviet!

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  7. "Um ser visto na sua verdade plena é obsceno".
    Oscar Wilde

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  8. Entendi, pois, o motivo do seu anonimato e estou de pleno acordo... com Oscar Wilde.

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