domingo, 10 de maio de 2009

Balada para uno de los nuestros


Antes das oito da manhã, nas imediações do Hospital Universitário me deparava frequentemente com um sujeito de uns trinta e tantos anos, visivelmente transtornado que enquanto o sinal estava vermelho corria de um carro a outro recitando frases incompreensíveis ou implorando aos motoristas, em castelhano, uma ou duas moedas. Sua roupa era a mais esquisita possível, levava correntes nos tornozelos, cordas nos braços, uma fita na testa, fotos coladas no casaco e algumas vezes um cartaz contra a igreja católica chilena ou contra a polícia argentina. Um dia disse-me ser um exilado argentino, uma semana depois me fez entender que era exilado chileno. Naquelas horas da manhã a maioria dos motoristas (por medo ou por pura indiferença) sequer abria o vidro do automóvel para ouvi-lo e raramente alguém lhe estendia timidamente a mão para passar-lhe uma moeda de cinqüenta centavos ou uma nota de dois reais. Ele não se comovia. Não se irritava com quem o ignorava e nem se humilhava para aqueles que lhe davam alguma migalha. Parecia, realmente, estar além do bem e do mal. Às vezes sorria por nada, outras vezes dialogava com seus fantasmas. Ia e vinha incansavelmente de um lado a outro durante toda a manhã e às vezes até durante toda à tarde. No dia em que resolvi dar-lhe um livro parecia ter saído por uns instantes daquela posição autista. Leu atentamente o título, deu uma olhada na contra capa, gargalhou e enfiou a cabeça para dentro do carro para dar-me um longo beijo na cabeça e em seguida começar a cantar e a dançar sobre o meio fio a conhecida Balada de un loco do velho Piazolla.


“Loco, loco, loco... Como un acrobata demente saltaré... Loco, loco... Salgamos a volar querida mia... Viva, viva los locos que inventaran el amor... Provoco el campanário con mi risa y canto a media voz.... Loco, loco... Queredme asi piantado... piantado... Piantado... Volar, volar... La mágica locura total.... Viva, viva los locos... Loco el, loco yo... Locos todos... “

Depois desse dia sumiu, para só reaparecer hoje, meses depois, em outro semáforo, quase ali junto ao Banco Central. Mais magro, perdeu uns dez quilos, continua cheio de badulaques amarrados ao corpo. Reconheceu-me e berrou lá do outro lado da pista: “Para salvar-se da imbecilidade, não basta ser um pensador holistico”.


Ezio Flavio Bazzo


(ver vídeo no endereço abaixo)
http://www.youtube.com/watch?v=hp_0D143ZEw&feature=related


Um comentário:

  1. ah, sim! certa vez o conheci em brasília, na frente do conare (comitê nacional para refugiados). ele pedia ajuda para voltar à argentina. ele se dizia refugiado político no brasil. o único que pude lhe oferecer foi o endereço do acnur (alto comissariado das nações unidas para refugiados), onde eu sabia que ao menos poderia se juntar à outros refugiados estrangeiros submetidos aos mesmos problemas dos brasileiros miseráveis, em eminência de queimar tão demagógico escritório da onu situado numa belíssima e pomposa casa no lago sul.

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