quarta-feira, 6 de maio de 2009

SÃO BENEDITO: mon semblable, mon frère


Você que acredita ainda estar vivo em abril do ano que vem deve reservar dois ou três dias para ir à Aparecida do Norte assistir e participar da Festa em Homenagem a São Benedito. Uma mescla excitante de rituais sacros e de profanidades que vale a pena. Uma espécie de fusão entre a África e o Vaticano, entre o umbanda e o catolicismo. Ao invés das cantatas fúnebres dos eunucos romanos ou dos monges gregorianos, o batuque potente e frenético dos afros. Ao invés do silêncio sepulcral das catacumbas e das basílicas os instrumentos de percussão, as sanfonas e os chocalhos estremecendo as paredes e comandando o rebolado deslumbrante daquelas devotas. E São Benedito lá, imóvel e mudo em seu pedestal, certamente admirado com tanta energia, com tanto desvario, sacanagem e alienação.

As ruas repletas. As ladeiras febris. Gente de todas as cores empilhadas nas janelas e nas varandas dos prédios e dos hotéis. O batuque comendo solto. A dança, o rebolado, figuras exóticas carregando objetos raros. Cruzes, capelinhas, banners de santos, imagens, estátuas. Muitos sanfoneiros com cara de bebuns. Pandeiristas. Fitas, flores, rabequistas, chapéus, capas coloridas, rosários enrolados ao pescoço, cantigas e rezas. De vez em quando um foguetório. Milhares de cavaleiros desfilando soberbamente em seus pangarés. Um epiléptico e um cavalo caem de cara no meio fio. Os sinos. Um coroinha falando pelo alto falante. Os hoteleiros assistem eufóricos àquela selva de gente forasteira. Triplicaram os preços. Sessenta Euros por uma espelunca, colchão de espuma, travesseiro indescritível, fila imensa para o banheiro. Mas todo mundo feliz. Viva São Benedito! Viva Nossa Senhora Aparecida! Por coincidência os dois são negros. Confesso que senti certo prazer em ver aquelas filas de velhinhas brancas e racistas de todo o país beijando os pés de ébano do santo. Eis aí o milagre de fé! Viva são Benedito! Rogai por nós! Rogai por nós! Frase que vai ecoando pelas ladeiras. Os fotógrafos deliram. Os estrangeiros parecem hipnotizados. Comidas e cachaça por todos os lados. Centenas de ônibus chegando e trazendo verdadeiros exércitos de devotos. É o turismo geriátrico. Quase só velhinhas fingindo felicidade. Os homens já morreram, ou então são ateus e estão entrevados em casa ou numa enfermaria.

Os padres aparecem de vez em quando sempre rápidos, ladinos, tolerantes e manipuladores. Sabem conduzir muito bem o rebanho. Sabem que patíbulos, calabouços e masmorras prosperam sempre à sombra de uma fé, dessa necessidade de acreditar em algo que infestou o espírito para sempre. As procissões vão e vêm em círculos pela cidade, mas sempre ao redor da igreja do santo homenageado. Levantaram um mastro. Um quiosque vende água para ser benzida. Os tambores não param nestes dois dias de kizumba. Ninguém parece estar exausto apesar de todos terem saltado da cama às quatro da manhã, depois de cinco ou seis canhonaços, hora em que a igreja já estava em polvorosa. Rogai por nós! Rogai por nós! Palavras fúteis e sem sentido que se perdem na noite. Lá no alto a Grande Matriz de Nossa Senhora Aparecida, com suas múltiplas entradas que lembram o Grand Bazar de Istambul. Ouvi um padre comunicando aos fiéis que agora a Santa dispõe de um canal de televisão. Oh, São Benedito! Rogai por mim! Dai-me forças e ódio suficiente para manter-me sempre distante dos rebanhos e dos charlatães! Rogai por mim mon semblable e mon frère.

Ezio Flavio Bazzo

Um comentário:

  1. basta somente um quantum de ilusão para gerar um universo de coerção subjetiva. geração cujo movimento é um pêndulo que oscila entre fortes exaltações e profundas depressões. eterno mundo precisando de ritalina e prozac. ou o ópio é o ópio do povo, ou a cachaça é o ópio do povo. o resto são fenômenos acessórios. seja ela uma visão artística, religiosa, científica ou moralista do mundo, é insuficiente para os desejos de seus corações à beira de um ataque cardíaco pelas veias entupidas de toicinho. tudo isso provoca apenas incapacidades, não uma verdade ou uma falsidade. ah... apenas digo isso porque é necessário conhecer o inimigo e a si mesmo. salut

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