A POPULAÇÃO, de todas as classes e pedegrees, ainda está excitada e inebriada pelos efeitos das Olimpíadas. Principalmente pelas vitórias de nossa ginastas mulheres, no judô e nas águas ameaçadoras dos mares do Taiti... Por aqui, não se fala em outra coisa. E o fato das vitórias principais terem sido de mulheres, e mulheres negras, foi como se os dois mil anos de repressão das mulheres e os 300 de escravidão das negras tivessem sido superados...
Inacreditável!
Até a senhora mendiga que todos os dias frequenta os arredores do restaurante vegetariano, estava lá, sentada no meio de suas tralhas, fumando e bebericando alguma coisa num copo de papel e com uma bandeirinha do Brasil enfiada entre as pernas... Parecia feliz... Vencemos! Vencemos! Somos vencedorAs! Insistia enquanto me estendia a mão.
Penso, - involuntariamente (por um viés de ofício), em Wilhelm Reich e em sua Psicologia de massas do fascismo!
Que coisa impressionante! Que mistério deve haver naqueles saltos e naquelas piruetas de nossas atletas que fizeram muita gente, de forma quase súbita, sair da fase melancólica para a maníaca? Muita gente que não aparecia ao trabalho há semanas estava lá, nesta manhã, brigando por uma mesa e disputando tarefas; as anônimas e chatas mocinhas do tele-markting até passaram a ter uma voz + sensual; os golpes pela internet diminuíram; os peões das obras iam e vinham pelos perigosos andaimes com bem mais tijolos às costas e com aquelas panturrilhas aberrantes sorridentes como se tivessem diminuído a jornada ou tido um aumento salarial; na redação dos jornais, colegas que se odiavam há décadas, a cada salto das mocinhas lá em Paris, se abraçavam, se apalpavam e pediam perdão pelos "tempos venais e pelos mal-entendidos"; o sino aqui da igreja vizinha badalava com mais rigor e até os padres incluíram em suas encíclicas uma palavrinha aos que estavam lá, em Paris, abanando o rabo e os trapos embandeirados... Até os chefetes de secção, tornaram-se bonachões, levaram pamonhas e biscoitos para os subalternos... E o pão, que é sempre uma lástima, veio visivelmente com menos bromato...
Um milagre!
Que os juros continuem em 13% e que o dólar beire aos 6 reais, são apenas detalhes. Somos campeões! Ganhamos mais um ouro! Mas, me digam: o que é uma medalha diante das toneladas desse metal que cruzam clandestinamente as fronteiras de madrugada?
E a mãe de uma das vencedoras estava lá, coberta de lágrimas, para mostrar ao mundo a importância da sagrada famiglia, do amor e da resiliência.
(resiliência!!! Até o momento, esta é a palavra mais odiosa e detestável que conheço!)
Ah! Nunca fomos tão felizes! Somos um povo criativo, forte, resiliente, vitorioso, apaixonado e feliz. Tudo bem, mas e amanhã? O que fazer até as próximas olimpíadas? Sim, tem o Flamengo, o Corintias, o Vasco, o Botafogo... As corridas de cavalos, o Jôgo do Bicho, os filhinhos de mamãe nos autódromos... Os velhinhos da terceira Idade jogando dominó nas paróquias... Fazendo palavras cruzadas... ou jogando sinuca nos fundos dos inferninhos... As donas de casa rendando ou tricotando... Sim, há tantas coisas para se fazer... para 'passar o tempo'... Não é verdade??? Ah!, mas não é a mesma coisa! E o ingresso para o Cirque de Soleil, todo mundo sabe, está muito caro...
Tudo bem, Tudo bem! Foi apenas uma festa! E Paris continua linda! Melhor preso por lá - dizem -, do que micro-empresário por aqui... Lembram daquela sexóloga grã-fina que recomendava à plebe estuprada: relaxa e goza?
Mas e os 130 milhões de fodidos?
Os fodidos? Ah, com muita resiliência eles também vencerão! Mas não queremos pensar nisto agora! Hoje somos só gratidão, antes de tudo a Deus e depois à Pátria.
E por falar em Deus, pelo que sei, foram os jesuítas os primeiros a introduzirem os esportes nas escolas e nos colégios ocidentais, com a justificativa explícita de fortalecer moral e fisicamente os alunos. Mas... muita gente que conheço acredita que a intenção implícita (a verdadeira), daqueles padres, era reprimir e até banir os impulsos sexuais das crianças...
E la nave va...
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