O lugar mais transcendente de uma viagem nem sempre é aquele que está cristalizado nas fantasias, no imaginário e até no inconsciente dos viajantes, principalmente dos viajantes "de primera viagem". Por exemplo: o que mais me proporcionou satisfação (infantil, é verdade) especulações antropológicas, ficções, associações livres e pequenos desvios de personalidade aqui em Belluno, não foram as dolomitas, e nem os pratos de nhoque com cogumelos, mas uma minúscula bodega que vende botões aqui perto da Piaza dei martiri, com uma vendedora que não é do Veneto e nem da Itália, mas da China, de Shangai. Entrei para comprar um dedal antigo e acabei comprando (nem sei para quê) uma meia dúzia de botões brancos, com quatro furos que, segundo a vendedora, se adaptam a qualquer tipo de calças ou camisas... A loja é, como já disse, um espaço onde só cabem dois clientes, no caso um vehinho de quase cento e vinte anos que comprava para sua velha de noventa e tantos (que também estava lá) um ziper vermelho de 78 centímetros e eu. A vendedora, desprovida de toda e de qualquer sensualidade, movia-se como um portuário chinês sem dar a mínima ou sem mesmo entender os olhares maliciosos e as brincadeiras perversas e, digamos "eróticas" daquele pobre ancião. Quando subia numa pequena escada de madeira para pegar uma espécie de gaveta lá no alto deixava aparecer os pêlos lisos e negros das axilas e, por debaixo da blusa algo que, no imaginário pós moderno, só poderia ser uma calcinha, mas que na realidade era um cuecão incolor tipo o dos lutadores de sumô.. As pernas não haviam sido depiladas nem no mês de setembro e nem no mês de outubro e tinham um não sei quê das pernas das legendárias piratas do Rio Amarelo. E, para esconder as tetas ela havia amarrado alguma coisa sobre elas, uma espécie de faixa que ia das axilas até o umbigo... Enfim, estava quase mumificada, mas era uma mulher bonita, delicada, que tinha umas mãos endiabradas, que sabia muito bem o que estava fazendo, que deveria apreciar um vibrato na corda sol e que, com certeza, trazia em seus DNAs toda a história nômade e mercantil de seu povo e até mesmo os horrores das noites intermináveis protagonizadas por Gengis Khan... O velhinho enxugava a baba com um pedaço de pano que levava preso à cintura. De vez em quando sua velha, percebendo que as perversidades se lhe afloravam, lhe lançava alguma antiga e broxante maldição, mas que ele as ignorava completamente e depois se voltava para mim e num italiano secular murmurava o título de um livro publicado recentemente em Londres: matrimônio é outro nome do ódio.
E ficou lá.., mesmo depois que paguei a minha conta, peguei o dedal e os botões e desapareci quase confuso no meio do chuvisco... Entrei no café da praça que fica em frente e enquanto não chegava o strudel e o capuchino ia resmungando esta especulação do velho Stendhal: "A paixão não é cega, é visionária..."
ezio será que é o mindigo k esse do linque abaixo,,,kkkk
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