domingo, 23 de outubro de 2016

Do nomadismo criativo e do gregarismo miserável...

 Ontem quando estava quase anoitecendo, encontrei um homem de uns sessenta e tantos anos numa parada de ônibus nos fundos da estação de trens de Feltre. Olhava quase em transe para as montanhas alpinas que os italianos gostam de chamar de Picola Himalai e procurava proteger-se do frio sob um casacão daqueles usados pelos soldados russos. Contou-me que estava aposentado mas que em sua juventude trabalhou como técnico em montagem de grandes motores em vários lugares do mundo. Havia estado numa cidade da Sibéria (que não me lembro o nome), na Ilha de Madagascar, na Venezuela e até no Iemen. Em todos esses países viveu dois ou três anos trabalhando em grandes projetos de sistemas hidraulicos e térmicos. O onibus não chegava e o frio descia com mais peso das montanhas. Enquanto ele ia me relatando seu nomadismo criativo eu ia tendo mais e mais consciência de meu gregarismo miserável. Mas foi só quando ele, com lágrimas nos olhos, contou-me que havia deixado uma bailarina negra em Madagascar, que realmente fui tomado por uma inveja desprezível...  
Um trem apitou no outro lado da cerca. Quando percebeu que estava chorando, revelou-me que era conhecido por Mendigo K., agarrou uma espécie de mochila remendada, despediu-se bruscamente e desapareceu na direção dos trilhos... Meu ônibus encostou uns minutos depois. Havia baixado uma nevoa cinza por sobre os Alpes italianos e uma moça de uns quinze anos, num unifome de escolar, em pé na primeira fila, quase junto ao motorista, recitava para uma colega da poltrona ao lado esta frase de Giambatitsta Vico: "I primi  popoli si trovano dappertutto essere stati naturalmente poeti..."

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