Além de um corvo que pousou na janela de meu quarto para roubar-me o único pedaço de queijo da semana, até agora não avistei nenhum mosquito, nenhuma barata, nenhuma mosca, nenhuma borboleta, nenhum morcego, nenhuma pulga, nenhuma formiga, nenhum percevejo, nenhum rato, nada. A Peste Negra de 1348 que reduziu a população pela metade parece ter-lhes dado uma boa lição nesse particular mas, por outro lado, todo mundo correndo desvairadamente. Money, money, money! Os americanos herdaram daqui a idéia obsessiva, demente e suicida de “fazer dinheiro!”. É até dificil andar calmamente e em pleno vagabundeio sem ser atropelado. Sorry... sorry.... sorry... Sorry um caralho! No minimo acham que você está com algum problema de coluna, com uma hérnia exposta ou com o nervo ciático à flor da pele. Tive uma vizinha que dizia nervo asiático. Será que já era um preconceito inconsciente? Entram correndo nos onibus, nos taxis e nos trens e saem igualmente correndo. Pressa, muita pressa, todo mundo olhando afobado para os relógios das torres, falando ao celular, lambendo alguma coisa, rindo sozinhos com seus fones de ouvido e se debatendo com a multidão igualmente acelerada... A inglesa que está sentada à minha frente no trem entrou com duas bolsas e fones de ouvido. Abriu imediatamente uma apostila, leu dez linhas e puxou um celular branco do bolso direito. Quando interrompeu a ligação passou a procurar alguma coisa numa das bolsas. Voltou a falar agora através de um celular preto. Desligou e voltou à apostila, olhou no relógio várias vezes. De repente descobre que nem sabe em que estação estamos. Arruma o cabelo, parece que vai descer na próxima mas não desce etc, etc... Ansiedad!!! Quando é que vão tomar consciência de que todos os cofres estão vazios??? Às vezes chego até a olhar pelos lados para saber se tem algum aviso de tsunami, se os irlandeses ou os discípulos do Bin Laden colocaram uma bomba por aí, se está despencando um prédio, se as águas do Tâmisa estão invadindo as cavernas do metrô, se outro incêndio igual ao de 1666 está se espalhando pela urbe ou coisa parecida... Mas, curiosamente, está tudo na mais santa e monárquica ordem. Devagar mesmo só uma velhinha que leva todo seu acervo de porcarias e todo seu patrimônio num carrinho de mercado, os barbudos homeless e alguns imigrantes que estão com a sorte definitivamente lançada, isto é, atravessada por uma lança. Por falar em homeless, depois daquele de Tenerife que na semana passada decapitou uma senhora e saiu correndo do mercado com sua cabeça na mão eu mesmo fiquei mais ligado nos daqui. Descobri casualmente (pelo cheiro) que alguns dormem durante o dia atrás dos bancos de uma igreja que fica ao lado da National Gallery e também lá na Saint James church. Mas voltando a correria cotidiana, se é verdade o que dizem os especialistas, que a obsessão de Don Juan em suas conquistas não era para “pegar mais uma”, mas para, finalmente, “pegar a última”, talvez se possa dizer o mesmo desses apressados. Será que querem chegar mesmo a algum lugar específico, como parece, ou, sim (bolicamente) essa disparada toda é apenas para escapar de si mesmos e portanto um signo de quanto estão querendo é chegar de uma vez por todas “ao fim?”. Como diria João do Rio – o mais genial escritor brasileiro - : “ disparam na mesma ânsia de fechar o mundo, de não perder o tempo, de ganhar, lucrar... (...) os nervos a latejar, as temporas a bater na ânsia inconsciente de acabar...”
Nem preciso lembrar que o Museu de História Natural é o que existe de mais interessante na cidade. Só a imagem do velho Darwin nas escadarias recepcionando a turba – inclusive os creacionistas que, aliás, são a maioria - já é o máximo, um flash na formação intelectual ateísta dos alunos que lotam as galerias. Sugeri várias vezes aos doutores-professores que conheço para que substituam as velhas monografias e as inúteis teses de conclusão de curso pela obrigatoriedade do formando dar a volta ao mundo antes de receber o título. Que nada! Quem pagaria? Perguntam fingindo-se de bestas. Ora, quem??? As mesmas instituições que atualmente apoiam apenas os compadres ou apenas os mesmos e picaretas narcisistas de sempre... Mas voltando ao Museu, dediquei este dia apenas à parte dos minerais, isto é, às pedras. Quem é que não se lembra do livro: A vida secreta das pedras, que os esotéricos (mais materialistas) dos anos 80 tinhan sempre na mochila? Fotografei as mais luminosas e fui anotando alguns dos nomes que me pareciam mais sugestivos, os geólogos devem saber a que tipo de material eles remetem: Chalibyte; Dolomite; Parkinsonite; Gagarinite; Goethite; Hematite; Sussexite; Papagoite; Miserite; Varulite; Gypsum; Brazilianite; Zapatalite; Apatite; Genthite; Pennine; Saponite; Spinel; Halite; Nagyagite etc. No andar de baixo, no setor dos pássaros, estamos (patrioticamente falando) representados pelo pica-pau, pelo beija-flor e pelo tucano... (por coincidência, três bichos com características particulares relacionadas ao bico). Quando avisaram que o museu iria fechar as portas, saí cheio de contentamento para a grande avenida que fica ao norte e segui a pé, meio sem rumo, ora guiado pela intuição, ora pela lua ainda anêmica, na verdade, apenas uma promessa de lua, que fez-me resmungar novamente um fragmento de João do Rio: “e só, no céu calmo, como uma hóstia de tristeza, a velha lua esticava a triste foice do seu crescente...”
Poética esta imagem da lua como uma hóstia de tristeza. Estou aqui com o seu livro - "A lábia encantadora de João do Rio", separado para começar a ler. Também estou com "O direito à miséria" e devo dizer que é um dos trabalhos mais lindos que já vi. A junção das imagens de miséria espalhadas pelo mundo ao enunciado de alguns capítulos da Declaração Universal dos Direitos Humanos em diversos idiomas, mostra com clareza que nada mudou. Um dia mudará?
ResponderExcluirAbraços