Figuras quase medievais vindas de todos os cantos do país troteavam felizes nesta quarta-feira de sol pela Esplanada dos Ministérios. Umas, iam enfiadas em seus chapéus, outras ocultas atrás de seus ray bans, quase todas brincando com seus celulares, com suas bandeiras ou com seus rádios. A voz potente dos animadores vinha lá do alto de um caminhão fazendo todo mundo repetir em coro: Somos o grito da terra! Frases feitas e chavões inocentes que iam se confundindo ao ruído das hélices do helicóptero da PM, às sirenes das viaturas e ao trânsito caótico e congestionado com os DAS4 ao volante, as cabeças para fora, esbravejando, furiosos por ainda não poderem estar em seus respectivos escritórios lambendo as botas de algum DAS6.
Viver aqui nesta ficção urbanóide de Lucio Costa e de Niemayer tem esse tipo de vantagem: quase todos os dias se podem assistir shows diferentes. Hoje são eles, ontem foram os aposentados; depois de amanhã serão os Sem Terra; os Sem Teto e depois serão os latifundiários com suas ceifadeiras agrícolas. Na semana que vem serão os criadores de zebus; depois os peões amazônicos com suas afiadas motos-serra e as cortesãs da DASPU. No início de junho as mulheres de militares; os meninos de rua; depois as caravanas de vereadores; depois vem Corpus Christi; o Dia do Orgulho Gay; depois a UNE e os atingidos por barragens. Depois virão os simpatizantes da Coréia do Norte; das feministas; do emplacamento das carroças do DF; do uso das células-tronco; os que combatem o aborto e a eutanásia e os que defendem a libertinagem dos padres. Numa terça feira-qualquer aparecem os funcionários de cassinos, há outro tratoraço, desfilam os ex-combatentes e no mesmo dia os professores injuriados ameaçam suicidarem-se. Sem falar que pode estar em pauta para o próximo semestre a vinda dos seringueiros, dos flagelados de Santa Catarina e do Ceará, os índios Xavantes, os que são contra a transposição do Rio São Francisco etc.. Curiosamente, nas longas décadas que habito este deserto nunca vi uma passeata de banqueiros, nem de comerciantes, de juízes, de senadores, deputados etc., nem de donos de imobiliárias, de pastores de padres e nem de jornalistas.
O caminhão estacionou em frente ao Ministério do Meio Ambiente. Primeiro discursaram os líderes do movimento, depois o Ilmo.sr. Ministro. Os discursos (sobre a devastação das florestas) foram impecáveis, cordiais, politicamente corretos e quase religiosos. Duvido que algum político finlandês ou norueguês se atreva a idealizar e a papaguear tanto. Enquanto assistia a aquele show de frases e de palavras ia lembrando não apenas que a selva amazônica está permanentemente em chamas, mas também daquilo que Cioran tanto nos prevenia: “quanto mais bem formuladas estejam as idéias, quanto mais explícitas elas forem, menor será sua eficácia e uma idéia clara é sempre uma idéia sem futuro”.
Se pelo menos cinco por cento do que se garganteia aqui nos trópicos fosse cumprido e realizado já teríamos arrancado o país dessa penúria e desse campo penitenciário em que se encontra e não apenas as árvores seculares da Amazônia, mas o cerrado, a caatinga e a mata atlântica com seus rios, com suas fontes e com seus porcos-espinhos já estariam a salvo de nossas unhas, de nossas mandíbulas e de nossas taras.
Ezio Flavio Bazzo