Pelos meus pecados, mereço o inferno!

"Pedestre? Uma espécie de micróbio que vive nas artérias e que se diria criado para dificultar o tráfego..."

Sacha Guitry

Em minhas caminhadas diárias, com chuva ou com sol, encontro cada dia mais cuidadoras empurrando suas clientes em cadeiras de rodas. (Umas, sofisticadas, compradas na Amérika e outras, feitas de sucatas, no fundo das garagens...). Me indago: de onde nos veio essa obsessão pela longevidade? E as cuidadoras, normalmente são mulheres fortes, musculosas, malas, sempre no celular (com o cliente de ontem) e com uns vinte quilos a mais do que apregoa a OMS.., Uma delas me confidenciava que já leu A Cabana do Pai Thomaz, umas dezoito vezes... já, as velhinhas, vencidas, derrotadas, rendidas, capituladas, vão como se estivessem no mundo da lua, os olhinhos ainda infantis, com os braços apoiados em travesseiros, as perninhas secas e bambas, chapadas de placebos, com a cabeça caída em direção ao tórax, e, de uma maneira ou outra, movendo os lábios como se estivessem rezando. O Mendigo K, recém chegado de Kabul, no Afeganistão, onde foi passar férias, me chamou atenção para o seguinte: Bazzo, observe: apesar de tudo, estão sempre rezando e é como se no meio das rezas delas estivesse contido esse misterioso e patético lamento: pelos meus pecados, mereço o inferno...

_________________________________

EM TEMPO: A propósito da longevidade, aqui pela capital da república só se fala na freirinha gaúcha de 116 anos que, depois da morte da concorrente japonesa, é considerada a mais velha do mundo. Perguntado sobre qual era o segredo de tão longa existência, um familiar que a conhece muito bem, retrucou com este chavão clássico da filosofia: ela não fala e não ouve! (ao que, algum cínico poderia até agregar: se fosse também cega, é provável que viveria mais uns cinquenta!)