quarta-feira, 14 de agosto de 2019

O mendigo K, a manifestação de ontem das mulheres indígenas e Chomsky...






{... A piedade dos fortes não é piedade, é desdém; e a dos débeis, não é piedade, é medo...}
Vargas Vila
(IN: La voz de las horas, volume 18, página 78)

Hoje encontrei o mendigo K caminhando sem rumo, segundo ele, se recuperando do sol e da secura de ontem lá na manifestação dos índios. Perguntei-lhe o que achou do ato e ele foi rápido na resposta.
No meio de muita merda repetitiva, o discurso feito por um índio lá de cima de um caminhão, foi o máximo. Nem Chomski e nem Bakunin lhe chegariam aos pés... E foi seguido também por uma índia tão brilhante quanto ele... Claro que se podia identificar nos discursos o envenenamento sacerdotal, o papo dos vigários, dos latifundistas, dos ladrões de minérios, dos indigenistas, dos catequistas e das ONGS da Dinamarca e etc, mas isto não prejudicava em nada a essência dos discursos. O messianismo e o milenarismo, evidentemente, estavam presentes, inclusive nos brancos que promoviam o evento. O Bolsonaro foi chamado do princípio ao fim do evento de fdp e de demônio pra cima enquanto o Lula aparecia no meio das falas e dos gritos sempre como uma divindade presa, o pai dos pobres, o fundador das universidades e do SUS. Não apenas uma, mas várias das discursantes índias ameaçaram o Bolsonaro não com flechas ou tacapes, mas com forças espirituais. Os deuses da floresta haveriam de entrar em cena para salvar os índios de agora e a memória de seus ancestrais. E haveriam de se manifestar para fundar um novo mundo, uma nova sociedade com características pré-capitalistas que, seguindo os protocolos milenaristas, haveria de durar mil anos, sem fome, sem fascismo, sem brutalidades e na maior leveza... E todo mundo aplaudia, excitado, mesmo os que não estavam prestando atenção ou mesmo quando o discurso era na língua nativa. E quase no final, apareceram três ou quatro congressistas para dar apoio às mulheres que representavam lá mais de duzentas etnias.
E neste momento, foi curioso, -  me dizia - porque ao meu lado estava um índio de uns 60 anos, travestido com penas e colares e que, quando lá de cima do caminhão alguém do microfone anunciava: agora vai falar o deputado X ou Y, ele me perguntava meio espantado: Ué, mas esse aí não estava preso? 
Quando chamavam o outro, ele voltava a interrogar-me: mas esse aí não esta sendo processado por corrupção?
Quando anunciaram o nome de uma mulher ele voltou a perguntar-me, atônito: mas ela ainda esta solta?
Dos cachimbos levitava um cheiro saboroso de xamanismo, o sol do meio dia e a secura da cidade debilitava os mais velhos, (não importando se eram pajés ou não, se acreditavam no deus cristão, no deus das florestas ou em absolutamente nenhum) que se refugiavam na sombra das árvores ou atrás das faixas que apregoavam as façanhas mais surrealistas. Uma até pedia que o Cunha, o Cabral, o Palocci e o Dirceu fossem soltos. Tudo bem, mas colocar o Cunha  e o Cabral junto ao Palocci e ao Dirceu, reclamava um chefe de aldeia, parecia algo incompreensível. Teria sido um equivoco ou uma provocação? Outras queriam saber onde esta o Queiroz? Quem Matou a Mariele? Etc, etc. Uma até pedia que o STF anulasse tudo. Estaria se referindo a quê? - perguntou-me uma índia recém saída da adolescência -. E as senhoras índias, imponentes, com suas vestimentas vermelhas seguiam gritando frases verdadeiramente revolucionárias lá do alto do caminhão, sob um sol abrumador com o cuidado de sempre incluir nelas um respeito religioso à Mãe Natureza. De vez em quando um drone da polícia passava zunindo por sobre as cabeleiras dos índios... mas eles não davam a mínima, sabiam por intuição e por experiência que era tudo ficção de uma sociedade sertaneja. Nostalgia das idéias da Jacobina Mentz e pura poesia aqui dos trópicos...

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