quarta-feira, 23 de maio de 2018

De caminhões, de trens e de martírio voluntário...

Escrever te converte em alguém que sempre se equivoca. A ilusão de que algum dia possas acertar é a perversão que te faz seguir adiante...]
Philipp Roth

Há três dias não se fala em outra coisa no país além da greve dos caminhoneiros. E eles estão por aí, sorridentes, jogando dominó em baixo de seus caminhões, falando um idioma que só eles entendem, requentando feijoadas feitas há uma semana atrás ainda por suas velhas e com o umbigo para fora de camisas sem botão... 
O governo, pressionado, cacareja desculpas e promessas, jura que o problema dos aumentos é de ordem internacional enquanto as filas crescem nos postos aqui da cidade, postos de vivaldinos que oferecem o desconto miserável de um centavo e cinquenta aos indigentes disfarçados que, recentemente foram induzidos por demagogos inescrupulosos a comprar carros quando não tinham condições de fazer a manutenção nem sequer de suas bicicletas e carroças. 
E todo mundo dá palpites, esbraveja e cospe nas paredes enquanto as donas de casa estão angustiadas porque já está faltando cebolas no mercado e band-aid nas farmácias. 
Os poetas e os filósofos de plantão acham incrível que caminhoneiros, que frequentemente são acusados de cheirar cocaína e de prostituir crianças ao longo das estradas, tenham capacidade de fazer parar o país... Mas é só uma especulação impotente desses poetas, a verdade é que ali na entrada da cidade há centenas de caminhões parados e em desafio, muitos deles com buzinas ligadas e rosários pendurados no retrovisor. No para-choque de um Alfa Romeo 69 pode-se ler: "não me siga, que eu também estou perdido".
Os governantes de plantão vão rápidos de um ministério a outro. Ligações pra lá e pra cá fingindo ter algum tipo de autoridade e de importância. Ligam para as amantes cancelando o jantar e a noitada. Ingerem suas pílulas de uso continuo, ficam indignados com Lênin e com Trotsky que, para eles, foram os únicos idealizadores das greves. E, o pior é que, de vez em quando, lhes chega ao quarto andar do ministério um grito da turba, em coro, querendo ver LULA LIVRE! 
O celular da secretária não para de anunciar a morte de dois judeus com mais de oitenta anos: Alberto Dines e Philip Roth... Os funcionários pés de chinelo já foram embora, não deixaram nem papel disponível nos toaletes e o trânsito lá fora parece uma centopéia...  a esplanada vai ficando vazia e deserta... Há uma espécie de melancolia no ar. Só falta um buzinaço e o ronco dos caminhões estacionando em frente à catedral. Pensam em baixar os preços dos combustíveis por decreto e de maneira emergencial para mandar esses trogloditas de volta para as estradas e para seus estados, mas não sabem mais lidar sozinhos com a matemática. E o Meirelles agora é candidato! Resolvem apelar para a cordialidade e para a paciência popular e até pedir às divindades que interfiram de alguma maneira... 
Da promessa secular de construir uma estrada de ferro que vá do Ceará até a Foz do Iguaçu, ninguém diz nada, o que reforça a idéia de que há uma espécie de retardo cognitivo em nossos gestores, em seus vices e nas massas em geral. 
O mendigo K que estava no gabinete de um desses ministros biônicos se atreveu a perguntar-lhe: por quê não se constrói uma estrada de ferro que ziguezagueie diariamente pelo país afora, pelas montanhas, pela beirada dos rios, pelo meio das plantações de  trigo e de girassóis, mais ou menos como aquela que vai de Viena a Atenas? 
Por quê não livrar-se do atraso dos caminhões instalando trens  silenciosos, perfumados e movidos a oxigênio ou a energia solar? Qual é o problema? Por quê essa burrice e essa neurose obsessiva por caminhões e por óleo diesel, esse combustível ridículo (idade da pedra) que suja as vidraças e as córneas e que rapidamente será banido da superfície civilizada do planeta?
O ministro, visivelmente enfurecido, bebe mais um trago de alguma coisa, abre uma pasta de couro, remexe nela e, sem dizer nada, exibe-lhe a foto de um trem lotado na periferia de uma grande cidade da Índia... Para, em seguida, resmungar: o problema não é de transporte é de controle de natalidade!!! Há gente demais no mundo! E a maioria parasitando...

10 comentários:

  1. Esse texto não tem nada de equivocado...mas entendo o que quer dizer por equívoco: nesse país textos sensatos como esse não saem do papel, não ganham vida...

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  2. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/05/24/interna_cidadesdf,683043/greve-dos-caminhoneiros-leva-caos-a-servicos-em-brasilia.shtml

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  3. https://veja.abril.com.br/brasil/ao-vivo-acompanhe-a-greve-dos-caminhoneiros-contra-alta-nos-combustiveis/

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  4. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/24/politica/1527116313_287654.html

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  5. https://stags.bluekai.com/site/27519?id=&ret=html&random=1527174426827

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  6. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2018/05/24/interna_mundo,683041/dois-mortos-e-varios-feridos-em-descarrilamento-de-trem-na-italia.shtml

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  7. https://www.youtube.com/watch?v=BbkG2MVxUGY

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  8. kkkk o Mindigo K se intromete em tudo kkkk que figuraça o K

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  9. https://www.youtube.com/watch?v=CVN5AHxU9hM

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  10. Bazzo, veja aí o golpe mortal aos caminhoneiros:

    https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/05/28/internas_economia,684289/governo-federal-quer-quebrar-excessiva-dependencia-de-rodovias.shtml

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