segunda-feira, 12 de março de 2018

Lobo Antunes, a acrobata e o mendigo K...

"O halo da rua coagulava nas vidraças como um anjo numa cruz..."
António Lobo Antunes 
(in A morte de Carlos Gardel, p. 16)


 Hoje a tarde encontrei o mendigo K ali no Terreiro do Paço, na beira do Tejo, para onde a turistada recorre todos os dias, principalmente quando sai sol. Olhava meio hipnotizado para um grupo de chineses que timidamente jogava comida para as gaivotas. Ficou surpreso ao ver-me por ali e foi logo fazendo uma série de elogios aos portugueses para, em seguida, queixar-se de apenas uma coisa: falam demais no diminutivo. É cafezinho, beijinho, bocadinho, livrinho, pezinho, obrigadinho, momentinho, solzinho, tchauzinho... Quê porra é essa? Perguntava a si mesmo. 
Depois passou a criticar também os editores e os livreiros por terem excluído da história lisboense a dois ícones da loucura portuguesa:  o poeta Antonio Ribeiro, conhecido por "Chiado" e o pintor Guilherme Santa Rita. Tinha começado a falar sobre "os velhos do Restelo" mencionados - segundo ele - por Camões, lá pelo CANTO IV, mas neste momento, apareceu uma mulher de uns 30 anos, vestida com roupa preta de academia que ficou de um lado para outro exibindo-se como se estivesse desfilando para alguém ou para alguma grife. E mais: de repente, pulou para cima da plataforma da muralha que limita as ondas do rio e, de cabeça para baixo passou a fazer acrobacias circenses. Ele olhou-a com legítima curiosidade e confidenciou-me:
- " Bazzo, no passado, quando via uma mulher desse tipo, tentava logo adivinhar que coisas poderiam seduzi-la. Se gostava de vinho ou de chá. Se havia conhecido seus avós. Se passava férias em San Torino ou em Machu Pichu, se tinha religião, se usava algum tipo de "calmante", se havia lido alguma coisa de Kleist, de Bakunin ou dos Kamasutra, se gostava de carne ou se era vegana, se gostava de ganhar flores ou se achava isso uma babaquice e etc .. Mas hoje, sinceramente, a única indagação e curiosidade que me vem à mente é saber quanto ela está cobrando...
Esperou um pouco para que minha gargalhada diminuísse e perguntou-me, meio sério, meio irônico: será que estou me transformando num monstro? Será isto que se esta a chamaire de machismo???

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