Acabo de chegar de um posto de saúde. A fila para a vacina se perdia pelos corredores daquele prédio sucateado, cheio de remendos e de improvisos. A minha frente umas trinta ou quarenta pessoas, todas já dobrando o Cabo da boa esperança. Fiz um cálculo rápido: somando a idade só dos que estavam na minha frente e comigo incluído, se chegaria a uns dois mil anos. E a grande maioria eram mulheres. Muitas (fui reconhecendo) que conheci ainda jovens, esbeltas, cheias de hormônios, os mamilos quase rasgando as blusas de seda veneziana. Época em que davam vida aos ministérios e às universidades. Eram diretoras, gerentes, secretárias, mensageiras, garçonetes, porteiras, assessoras de ministros, amantes de lobistas, vendedoras de ilusões, beldades recém chegadas das mais charmosas academias do mundo, caçadoras de dotes, pilantras disfarçadas, freiras que haviam trocado o convento pela administração pública e o vibrador por um programa aqui e outro ali, na hora do almoço ou depois do expediente... Meninas que nos finais de semana, enquanto suas mães iam para as igrejas e para retiros espirituais, fugiam nos braços de algum Don Juan para uma antiga pousada nas montanhas de Goiás e sempre com com uma garrafa de Champagne na bolsa...
Agora estavam ali, visivelmente inquietas até procurando não serem identificadas, cabisbaixas e vencidas, trocando receitas de comida ou de remédios, umas ensinando as outras a como tirar manchas de roupas ou falando obsessivamente dos netos como se eles fossem bonecos para apaziguar a ansiedade da terceira idade... Havia também homens, em menos quantidade, mas havia. Quase todos com a barriga despencando por sobre o cinturão, os cabelos ralos e brancos, uns completamente resignados, outros fazendo esforços para exibir alguns vestígios de juventude e de virilidade. Todos apostando que as vacinas, que ninguém sabia se eram realmente vacinas, nem se haviam sido fabricadas na Fiocruz ou na ciudad Del Este e passado o dia anterior num freezer ou ao sol.., lhes garantiriam pelo menos mais um ou dois anos neste circo. Diante daquele espetáculo, quase impossível não experimentar um choque agudo de tristeza. Tentei pensar em outras coisas. Numas esfihas que costumo comer ali no Marzuk, por exemplo... até que a enfermeira fez-me sinal para entrar numa saleta improvisada. Abri a camisa e disponibilizei o braço como se nem fosse meu e nem senti a agulha rasgando meu músculo. Depois, como todo mundo, saí por uma porta dos fundos apertando um chumaço de algodão empapado em álcool sobre a picada e pensando que "a vida, - parafraseando um texto de Borges, o bibliotecário cego e o escritor mais genial aqui das Américas - : é mais vil que um lupanar!"
Bazzo, para ouvir depois de ler teu texto
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=iEMggo5o0FM