Hoje, segunda-feira, encontrei o mendigo K. num dos acampamentos que se armam nas vésperas do natal ali pelos lados da ponte do Bragheto. De longe se tem a impressão que são acampamentos de ciganos, mas quando se chega perto fica evidente que são apenas mendigos, fodidos do país inteiro que vêm para cá recolher restos e sobras dos burocratas e da burguesia. O mendigo K, descobri, funciona aqui na cidade mais ou menos como um lobista dessa gente. Estava lá empurrando um velhinho numa espécie de cadeira de rodas. Me aproximei. O velhinho que tinha o corpo quase que reduzido só a ossos e a veias, assim que me viu lançou-me um olhar colérico, mas astutamente dissimulado em bondade e passou a olhar-me com insistência como se precisasse compulsivamente fazer um discurso sobre algo, talvez contra a velhice ou contra a condição humana. Parecia o olhar de um cão faminto não sei se implorando por comida, por uma eutanásia ou por um tiro de misericórdia. O mendigo K. cumprimentou-me surpreso por ver-me ali, naquela hora. Em seguida, um dos acampados veio falar-lhe sobre o assassinato do embaixador russo na Turquia e sobre o ato terrorista em Berlim o que o fez pedir-me desculpas e retirar-se no meio da noite que caia, empurrando aquela jerigonza, sem destino e sem porvir...
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