Não sei se por alguma
perversidade ou por algum desvio neurológico, um dos elementos que sempre me
fascinaram além do normal, foi o fogo. Um incêndio no cerrado e o cheiro
da fumaça - por exemplo - já bastam para provocar-me alguma coisa estranha, até
mesmo de ordem sobrenatural. Serei um piromaníaco em potencial? Desde minha
infância trazia secretamente a Nero como um herói e foi grande a decepção quando, recentemente, descobri
que o tal incêndio de Roma foi uma falácia. Com o incêndio do Reichstag, em 1933, tive durante toda
minha adolescência sonhos obstinados. As fogueiras que Hitler e outros loucos e
tiranos fizeram com livros, papiros, documentos, assim como as da inquisição incinerando feiticeiras
e mesmo as das feministas carbonizando seus sutiãs, nunca me passaram despercebidas.
Pensar que a Biblioteca da Alexandria foi incendiada também me causa algo indescritível, quase como quando medito sobre a incandescência dos infernos... Estou convicto de que há algo no movimento das labaredas que até hoje não foi
realmente descrito! E não precisa nem ser de uma grande fogueira, mesmo ali nas
chamas de um simples isqueiro de querosene pode-se encontrar algo de transcendente. Daí
a razão de, nas últimas décadas, nunca ter cruzado o umbral de minha casa sem
uma dessas preciosidades no bolso. Diante de uma dificuldade inesperada? De um impulso justiceiro? De um obstáculo? De uma depressão reativa? Lá estou eu escondido do vento e por uns
dois minutos, com os olhos cravados nas chamas esperando por sua ação
terapêutica... Estes meses e esta semana foram particularmente pródigos em
incêndios pelo mundo a fora. A Turquia teve os seus, Londres e a favela de Paraisópolis
em São Paulo também. Em Portugal, nas cercanias de Coimbra, centenas de ovelhas
que não conseguiram pular as cercas acabaram queimadas. Nas Ilhas Canarias, no Colorado e
até mesmo aqui na cidade, um num restaurante e outro numa residência, sem falar
daquele de ontem lá de Copacabana que chamuscou, entre outras preciosidades, uma pintura de Di Cavalcanti e o gato do marchant. Indo de Beijing a Xangai, uma das paisagens
mais estonteantes vistas da janela do "trem bala" era, no princípio
da noite, exatamente a dos imensos fogaréus empurrados pelo vento ao longo dos
trilhos e ziguezagueando demoniacamente em todas as direções... Está na cara
que quando o titã Prometeu roubou o fogo de Zeus e o disponibilizou de graça
aos humanos, sabia muito bem o que estava fazendo...
Gostei mesmo do marchant de Copacabana que, num ato de coragem, manifestou aborrecimento quanto as grandes preocupações com as obras de arte que se foram e que em nada valiam diante da morte do seu gato... Senti, imaginei e concordei com toda a sua dor.
ResponderExcluirPois é. Tanto lixo enquadrado e pendurado na parede, com muitos seguranças pra cuidar... E obras-primas olvidadas...
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