domingo, 5 de agosto de 2012

Gulliver, o amo Houyhnhnm e o mensalão...


Na página 182 de Viagens de Gulliver, respondendo a uma pergunta do chefe dos Houyhnnhnm, o autor retrata os juízes e os advogados da época... (e, evidentemente, os de sempre)
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Pergunta – Fale-me agora a respeito de algo que me deixou muito curioso: entre as pessoas de seu navio havia muitos desgraçados a quem as leis arruinaram, não é verdade? Pois bem: como é possível que essas leis, feitas para melhorarem a vida de todos, possam desgraçar alguns? Além do mais, para que leis? A natureza e o raciocínio não são suficientes para que vocês saibam o que devem e o que não devem fazer?
Resposta – Existe entre nós uma quantidade de homens, tão grande como a das lagartas, que são treinados desde muito jovens na arte de provarem que o preto é branco e o branco é preto, conforme sejam pagos para dizer uma coisa ou outra. Todo o resto do povo é escravo desses homens. Por exemplo, se meu vizinho quer ficar com minha vaca, contrata um advogado para provar que tem direitos a essa vaca. Nesse caso tenho que contratar outro advogado para defender também os meus direitos, pois é contrário aos nossos costumes que um homem possa falar em seu próprio nome diante da lei. Ora, eu, que sou o dono, me vejo ante duas desvantagens. Primeira: meu advogado, acostumado desde cedo a defender a falsidade e a mentira, está completamente fora de seu elemento quando precisa defender a verdade e não sabe como desvencilhar-se. Faz essa defesa, portanto, com grande má vontade e habilidade nenhuma. Segunda: meu advogado tem que ser cauteloso e dissimulado, para que seus colegas não o censurem por degradar a profissão. Assim, tenho dois métodos para conservar a minha vaca. O primeiro é subornar o advogado adversário, pagando-lhe um bom dinheiro para que traia seu cliente. O segundo, fazer com que meu advogado afirme diante do juiz que não tenho a menor razão e que a vaca nunca foi minha coisa alguma, pertencendo mesmo a meu adversário. É tiro e queda: o juiz ficará inevitavelmente do meu lado, dando-me ganho de causa.
Os juízes – prosseguiu depois de um suspiro – são as pessoas que decidem quem está com a razão num processo. Escolhidos entre os melhores advogados depois de velhos e preguiçosos, são respeitadíssimos não só por seu poder como pela enorme experiência de lutarem contra a verdade e favorecerem a fraude, a calúnia e a opressão. Tão habituados estão a essas coisas que muitos já recusaram grande quantidade de dinheiro oferecida por certos clientes, só porque teriam de fazer a balança da justiça inclinar-se a favor dos que estavam com a razão. E não há nada que um juiz abomine tanto como a justiça, não combinando esta nem com seu ofício nem com sua inclinação natural... (...) Acham os juízes que tudo o que foi julgado, foi bem julgado. Assim conservam todas as decisões anotadas para que no futuro tomem novas decisões baseadas nas antigas, ainda que estas possam estar erradíssimas. Outra característica dos juízes: detestam que um caso lhes seja explicado de maneira clara e breve, apreciam enormemente quando o advogado foge do assunto – o que acontece quase sempre – e faz uma longa, monótona e ininteligível exposição sobre mil detalhes que nada têm a ver com a questão tratada. Para a felicidade dos juízes, os advogados não lhes ficam atrás. No meu caso, por exemplo, não queriam saber quem era o verdadeiro proprietário da vaca, mas se esta era vermelha ou preta, se tinha os chifres curtos ou compridos, se pastava em campo redondo ou quadrado, se era ordenhada dentro ou fora de casa, de dava muito leite ou não, e assim por diante. Depois disso, consultam as decisões antigas, adiam a questão de tempos em tempos e chegam, dali a dez, vinte ou trinta anos, a uma decisão qualquer. (...) Os homens da lei possuem uma linguagem própria, complicadíssima, que ninguém entende. Nessa linguagem nobre é que são escritas todas as leis, as quais são tão numerosas e intricadas – confundindo tanta a verdade como a mentira -  que foram necessários trinta anos para decidirem se a propriedade que recebi de herança e que pertence à minha família há seis gerações pertencia mesmo a mim ou a um estranho que habitava a trezentas milhas. (...) Há um caso, porém, que se decide com bastante rapidez: quando uma pessoa é acusada de crime contra o Estado. O juiz sonda primeiro a vontade dos que se encontram no poder, depois disso, enforcam ou salvam o criminoso, obedecendo contudo rigorosamente às formas da lei. (...) Esses advogados e esses juízes conhecem apenas seu ofício: fora dele, compõem a classe mais ignorante e estúpida que conheço, e a mais desprezível no trato diário. São inimigos declarados de todo o saber, de toda a cultura, estando sempre dispostos a torcer a verdade e deformar o raciocínio dos homens...

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