Na última sessão do mensalão, como era de se esperar, ninguém se atreveu a
citar Albino Forjaz de Sampaio. Entretanto, entre um solilóquio e outro dos
senhores ministros surgiu um nome de referência mais palatável e que não poderia faltar nestas oportunidades:
o do ilustre Padre Vieira. Que ninguém se espante se amanhã algum deles citar
fragmentos das alucinações de Santo Antônio no deserto ou alguma prece de Madre Tereza em Calcutá... E falar
em Vieira, todo mundo está corcunda de saber, principalmente num Tribunal, é
sempre oportunidade para mencionar o Sermão
do ladrão. Claro que poderiam variar um pouco relembrando o Sermão dos cegos – por exemplo, já que sermão é o que não falta na
biografia do pároco - mas não. Como se houvesse um misterioso prurido, uma estranha
obsessão ou coisa parecida, aqui por estes lados dos trópicos se fala quase que unicamente do Sermão do Ladrão. O que isso poderá estar querendo nos dizer, afinal? E, o mais curioso, é que tenho ouvido até os
gatunos mais manjados e populares soltos por aí ou lá no Senado, na Câmara, nos governos estaduais
e municipais e até no clero valerem-se desse texto, escrito lá por 1650, para
tentarem simular, diante da turba que rumina em berço esplêndido, uma aura de
honestidade. Tive até um conhecido que apesar de ser o mais astuto batedor de carteiras e extremamente ágil em qualquer assunto de gatunagem sabia de cor e salteado esta frase do velho
visionário e a recitava com humildade cristã sempre que houvesse uma brecha:
[O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera...]
Sem nenhum cinismo, leiam novamente o texto acima... Leram? Não lhes parece que de 1650 para cá, - mesmo contra os anseios do padre - ele pode ter incentivado, fomentado e colaborado na estruturação de nossa esquiva personalidade e, bem mais ainda, na propagação dos flibusteiros, no engendramento da escória e na estruturação da criminália e roubalheira generalizada e sem remédio com que estamos tendo que conviver atualmente???
Umas linhas abaixo e o padre continua com algo que também é mais do que verdadeiro:
[Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam...]
[O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera...]
Sem nenhum cinismo, leiam novamente o texto acima... Leram? Não lhes parece que de 1650 para cá, - mesmo contra os anseios do padre - ele pode ter incentivado, fomentado e colaborado na estruturação de nossa esquiva personalidade e, bem mais ainda, na propagação dos flibusteiros, no engendramento da escória e na estruturação da criminália e roubalheira generalizada e sem remédio com que estamos tendo que conviver atualmente???
Umas linhas abaixo e o padre continua com algo que também é mais do que verdadeiro:
[Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam...]