Cada vez mais invocado com as palavras, tenho perdido muitas (muitas não, algumas) horas de meus dias ouvindo com um certo deleite sádico os mais diversos comentaristas em suas análises e discussões, principalmente os de economia, os de futebol e os de astrologia. As figuras que ganham o feijão de cada dia pilantrando sobre esses metiers parecem ser realmente de outro mundo, só perdendo mesmo pelo desvario dos pastores madrugada a dentro em todos os canais e por outros tantos safardanas, cada um a sua maneira e na penumbra de seus oráculos. Façam esse exercício. Liguem o rádio, em qualquer estação e em qualquer horário e esperem apenas alguns segundos. Logo começará um show gratuíto de verborreia e de charlatanismo. Hipóteses, teses, históricos, previsões, decepções, euforias, comparações, incentivos, promessas, definições conclusivas… Filosofam e até teosofam sobre os malabarismos do ponta direita tal e sobre as artimanhas do goleiro Y!!! Fazem previsões e respondem indagações de ouvintes sobre times, sobre jogadas, sobre disputas passadas, sobre juros, lucros, bancos, perdas e ganhos, aplicações, comparações entre moedas e as oscilações semanais nos mais variados antros monetários do planeta!!! Depois revelam os rumos transcendentes ou trágicos dos nascidos em Sagitário com ascendente em gêmeos ou de Virgens com influências do sol em labaredas como se estivessem demonstrando um teorema. Como é possível que a cultura tenha se organizado, tolere e se mantenha sobre essa baboseira e sobre essa mentirada pra boi dormir? E não pensem que o papo mudou no último século! Desde criança ouço (consternado) as mesmas e execráveis lengalengas com apenas alguns rótulos e com alguns tagarelas diferentes.
Discutindo este e outros assuntos com o velho mendigo da rodoviária, depois de ouvir-me atentamente, puxou do bolso algumas folhas de Crime e Castigo e deslizou o dedo indicador pelo quarto parágrafo da página 174 onde Dostoievski coloca na boca de Razumíkhin esta frase: {Digo-te que todos vocês são uns fanfarrões, uns charlatães. Basta ter uma dorzinha, e pronto: ficam aí a curti-la como uma galinha chocando os ovos (…) Não há em vocês qualquer indício de vida autônoma. São uns molengas, e em suas veias corre água em vez de sangue. Não acredito em nenhum de vocês! Sejam quais forem as circunstâncias, a primeira coisa que vocês fazem é arrumar um modo de não parecer gente!}
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