Enquanto ia de lá para cá no subsolo de um dos PETs mais conhecidos aqui da cidade, o funcionário gordinho e vestido de branco, mais parecido a um Pai de Santo que a outra coisa e que, segundo ele, já havia trabalhado longos anos no Juqueri em SP, ia desabafando e contando-me que na sua profissão atual, atendendo animais de todos os tipos havia conhecido mais clientes loucos e desvairados do que no tempo em que trabalhara lá naquele terrível asilo. É estranho e não me acostumo - dizia - ver essa gente tratando seus animais, principalmente os cachorros, como se fossem crianças ou gente. Para que tenhas uma ideia, já me trouxeram cachorros engravatados, cadelinhas com cílios artificiais, outras usando botinhas de inverno, camisolinhas tipo a da Barbi, um perdigueiro com um crucifixo amarrado na coleira e até um buldogue mal encarado que tinha as presas de ouro. Que tal? Mas o mais exótico mesmo, sinceramente, foi um cachorrinho marrom, tipo guapeca pilantra desses viradores de lixo das ruas, com um colarzinho lilás numa orelha e cuja dona, cheia de anéis e de colares jurava que o bicho era transexual. Transexual como, minha senhora? - Insistia o veterinário, com mais ar de cientista que de homo fóbico. E ela respondia: ora, doutor, então o senhor não sabe? Tem uma alma e uma psique feminina nesse corpo de macho. Nem preciso lhe dizer que o veterinário que não acredita nem em psique e muito menos em alma ficou abobalhado. Mas, tudo bem. No dia em que ela propôs ao doutor fazer as devidas cirurgias para dar àquela "alma feminina" um corpo feminino, o doutor lhe indagou: Mas senhora, se seu animal está em conflito por albergar uma alma feminina num corpo de macho, por que então ao invés de mutilar-lhe o corpo, o que seria muito traumático, doloroso e caro, por que não tratamos de lhe inverter ou melhor, de lhe alterar a alma? Ela ficou em silêncio por uns segundos, pegou seu cão no colo e nunca mais apareceu por aqui.
Enquanto ele ia secando a vasta pelagem de um Lhasa apso e me contando essas e outras histórias cabeludas, uma mais desvairada que a outra, não sei por quê fui lembrando de um sonho atribuído por Dostoiéski a Raskólnikov lá na p. 65 de Crime e Castigo, onde quatro ou cinco bêbados matam impiedosamente uma égua a pauladas: [...Vamos dar cabo desse diabo! E toda aquela turba lança mão do que encontra, paus, chicotes, trancas, e atira-se sobre o cavalo agonizante. Mikolka, junto do animal, bate-lhe continuamente com a alavanca de ferro. O animal estica-se, estende o pescoço e dá um último suspiro. Morreu! - gritou a multidão. (...) O pequeno desvairado, soluçando, abre caminho por entre a turba que rodeia o animal; segura a cabeça ensanguentada da égua, beija-a nos olhos, ternamente... Depois, em um movimento de cólera, com os punhos cerrados, investe os pequenos pulsos contra Mikolka...]
Será que esse é tarado?
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=W4BXcYZ8184&feature=related
O conceito equilibrado e ético é o dos Direitos Animais. Ele é contra a antropomorfização dos bichos, já que a natureza deles e suas especificidades devem ser respeitadas, assim como não devem ser objetificados em brinquedos e objetos de carência. Assim como, claro, contra os maus tratos, a apropriação da vida deles, a coisificação e escravidão, como se os mesmos não devessem estar no mundo para suas próprias razões.
ResponderExcluirPS: Achei o seu blog por estar procurando justamente sobre esse trecho de Crime e Castigo, do qual li ontem.
www.uniaolibertariaanimal.com