I. Demóstenes foi um menino e um adolescente gago. Com enorme esforço conseguiu curar-se, aprendeu oratória e chegou a uma posição de muita confiança e destaque na política. Depois, repentinamente, de uma hora para outra, viu decair tanto sua reputação quanto sua influência. Chegou mesmo a ser condenado por ter se deixado comprar por outros políticos. Foi preso mas conseguiu fugir, exilando-se por longo período. Quando percebeu que estava cercado pela polícia suicidou-se ingerindo veneno. Viveu na Grécia de 384 a 322 a.C. Uma de suas frases mais conhecidas era esta: “Pequenas oportunidades são muitas vezes o começo de grandes empreendimentos”.
II. Como você, todo mundo já esperava: o Congresso aprovou o consumo de bebidas alcoólicas nas arquibancadas dos jogos de 2014. O que, com certeza, deve ter influenciado nessa decisão liberal dos deputados foi a peleia e os homicídios de rua entre as torcidas na semana passada: sóbrias elas são um perigo!, - devem ter refletido os representantes da turba. Como consolo e como contra partida aprovaram também o desconto nos ingressos para velhinhos, para deficientes e para adolescentes...
III. A pesquisa de ontem concluiu que no Brasil se está lendo menos. Menos do que anteontem, isto é, nada. Um ou dois livros por ano por cabeça! Aliás, no topo das vendas continua o livro Ágape, do padre Marcelo, uma recopilação infantil e quase demente da bíblia e de anedotas do gênero.
IV. É provável que Tales de Mileto, Benjamin Franklin, Faraday etc., ao descobrirem como gerar e como armazenar eletricidade, nunca tenham imaginado que se viesse destinar sua descoberta também para a tortura. Depois das maquinetas usadas nos porões das ditaduras, das cadeiras elétricas, dos eletrochoques nos manicômios... agora qualquer idiota (em nome do Estado) pode levar uma das tais “armas de choque” na cintura e dispará-la contra quem achar conveniente... A sociedade ainda pagará um preço muito alto por sua burrice, complacência e passividade...
V. Quando se têm menos de cinquenta anos, - dizia-me o mendigo da rodoviária - normalmente o que mais nos interessa nos jornais são as listas de acompanhantes. Depois dos cinquenta só se têm interesse mesmo é pelos obituários. A mortandade diária de conhecidos, amigos, contemporâneos, ex-colegas, desconhecidos e vizinhos etc., só é comparável às históricas guerras civis. E a sociedade se une hipocritamente ao redor dos féretros em panegíricos, em elogios descabidos e em bravatas quase escatológicas... Se quando vivos eram considerados uns chatos, uns verdadeiros energúmenos reacionários, basta morrer para tornarem-se gênios, maiorais, personalidades... encantos de pessoas. Fundam-se logo institutos, congregações e até bordéis com o sobrenome dos mortos. E no funeral, ao lado da cova ou do forno, estão todos lá com suas mentirinhas ensaiadas e seus óculos escuros olhando cinicamente uns para os outros como que querendo adivinhar quem será a vítima e o defunto da vez... Sinceramente, numa boa: a vida é uma furada. Depois de tantas mentiras instituídas e comercializadas, qualquer zé mané percebe que ela não passa de uma barulhenta carroça que se desloca em direção a quatro estações, uma mais absurda, vingativa e terrível que a outra: estação 1: velhice. Estação 2: doença. Estação 3: morte. Estação 4: o nada. Desejar boa viagem é apenas mais um sarcasmo...
Em tempo & a propósito:
Vale a pena ver a beleza e o desespero deste poema do Millôr:
Papáverum Millôr
Enterrem meu corpo em qualquer lugar.
Que não seja, porém, um cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em letras fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossego
Ou de saciedade solitária,
Me descubra entre folhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos.
(Como eu).
E, como uma longa árvore desgalhada
Levantou um pouco a lage do meu túmulo
Com a raiz poderosa,
Haja a vaga impressão
De que não estou na morada.
Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu nome,
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora,
Preso à angústia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos, lagartos,
Sol e chuva ocasionais,
Este sim, imortais.
Até que, um dia, de mim caia a semente
De onde há de brotar a flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr