Nem mesmo uma Delegacia de Polícia consegue ser mais melancólica e mais mórbida que um Pronto Socorro. Neste final de semana a comida de um dos milhares de restaurantes da cidade (onde não se tem o hábito e nem a obrigação de lavar-se as mãos) obrigou-me a recorrer a um deles em plena madrugada. A recepção e o acolhimento (todo mundo já sabe) são mais que precários (se esses atendentes fizessem um estágio nos bordéis da periferia – me cochichava um paciente - as coisas já melhorariam, e muito). O médico que me atendeu não quis saber de minha pressão, nem de minha temperatura (o que tratava de minha bisavó lá no século passado checava-lhe até o pulso). Duas horas e vinte naquele ambiente. De vez em quando encostava um táxi ou uma ambulância trazendo alguém alquebrado, mancando, lívido e contorcendo-se em dores reforçando a idéia de que se nosso corpo é nosso único capital o é também nosso único mal. Diante da dor, é até compreensível que os primitivos tenham engendrado (como analgésico) a crença num “espírito”, numa “alma”, em algo além dos ossos e das glândulas. Um senhor que acompanhava sua neta chegou apressado solicitando à “enfermeira” um vomitório ou uma vomitadeira (até os acampamentos greco-romanos dispunham desses utensílios), ela sugeriu-lhe solenemente que usasse uma lixeira.
-Uma lixeira? Pago 600,00 reais por mês para ter que enfiar uma lixeira na cara de minha neta? Resmungou indignado enquanto buscava com seus olhinhos de cólera a minha solidariedade. Fiquei em silêncio respeitando a conhecida máxima dos xamãs africanos: só fale mal dos crocodilos depois de ter atravessado o rio.
O médico me prescreveu o de sempre: um antibiótico, um soro e um analgésico. Descobri que no Brasil o tal Tylenol é mais popular que a rabada de porco. A noite e a madrugada estavam completamente silenciosas. Saí à procura das farmácias de plantão. Dois travestis e três mulheres apareceram numa esquina querendo vender seus respectivos buracos. E o espírito? Murmurei para mim mesmo sentindo as bactérias devorando minhas entranhas. Das quatro farmácias de Plantão apenas uma estava funcionando. O “farmacêutico” que estava atrás de grades bebendo uma cerveja atendeu-me com desconfiança. Por que, afinal eu não poderia ser mais um dos clássicos viciados em barbitúricos e assaltantes de farmácias?
Enquanto providenciava meus medicamentos seu celular tocou e ouvi a voz de uma mulher perguntar-lhe:
- Doutor minha patroa me mandou tomar um remédio que se chama Annita. O Senhor tem aí e para que serve?
- Tenho sim. Está na moda, todo mundo toma, e sem receita, é para vermes.
- Vermes?
- Sim, combate amebíases, giárdia, lombricóide, ascaris, crysptosporidium etc...
Paguei o equivalente a 35 dólares e meti-me madrugada a dentro com minhas bactérias, minhas cólicas e com meu saco de remédios, os três produzidos por multinacionais. Apesar da demagogia de “soberania” se as Organizações estrangeiras que nos colonizam se retirassem, voltaríamos à Idade da Pedra em menos de seis meses.
Ezio Flavio Bazzo
Ezio Flavio Bazzo
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