Um homem septuagenário, com aparência de beduíno vai à tribuna para discursar, longa e prolixamente sobre a cloaca em que está transformado o Senado. Gesticula, desenterra o finado Ulisses, o velho Tancredo e até mesmo o legendário Getúlio. Exibe manchetes contra o Presidente da casa e pede solenemente sua renúncia. Os sete ou oito gatos malhados que ocupam a platéia se agitam e pedem apartes. O homem que preside a mesa tem um nome bizarro e cita gratuitamente a Rui Barbosa, a Voltaire e até a Clemenceau. O apartante discorda do beduíno. Forçar a renúncia é golpe! – diz em pompas. Outro pede a palavra. O beduíno está cada vez mais seguro de si. Rodeios lingüísticos para defender o indefensável. As palavras e as frases vão e vêm como meretrizes na boca daqueles homens que custam, cada um, uns cem mil dólares por mês ao populacho. O quê estamos fazendo aqui? Se pergunta o orador principal. Porrrrrra nenhuma! Respondem telepaticamente os velhinhos aposentados que estão atentos em suas mansardas. Pequenas irritações, mini surtos sob controle, apologias repulsivas. O microfone falha. Os chefes do botim assistem tudo de casa pela TV bebendo champagne e fumando charutos. Vossa Excelência pra cá e Vossa Excelência pra lá. Outro personagem toma a palavra com sinais visíveis de senilidade. Dá voltas pelo universo da prolixidade. Pede desculpas, apóia o beduíno. Teatro e espetáculo. Um marqueteiro e um suplente falam ao mesmo tempo, o primeiro volta a glamourizar a casa. Todos falam em democracia e até mesmo em inveja cristã. Ao mesmo tempo em que pedem para Sarney afastar-se sacralizam seu passado e seu presente. Um careca aparece para ler meia página enviada por um neto do chefão do Senado. No texto a informação sutil de que o próprio foi aluno na Sorbone e em Harvard. Suspiros na platéia e nos lares! A plebe e os novos ricos adoram mistificações. O bate boca prossegue pela tarde, apesar da grande maioria ter ficado em casa vendo futebol. Gooollll! Gollll! O clima é de um grêmio estudantil. Todos têm opiniões diferentes, mas concordam em tudo. Chamam a isso de democracia, ética, liberdade de expressão. Cem mil dólares mensais a cada um! Unuhunnunn!... E a ralé engordando sob as pontes ou em suas gaiolas com as migalhas da cesta básica. Os nobres senadores não sabem ainda que lá em Los Angeles o bailarino pedófilo bateu as botas, se soubessem seriam capazes até de deixar cair algumas lágrimas, daquelas frias e fúteis que na antiguidade deveriam deslizar até pelos focinhos das hienas.
Ezio Flavio Bazzo