O romantismo, o esoterismo e a exploração monetária ao redor dos picos "sagrados" e das supostas trilhas Incas para Machu-Pichu, são pueris. Rebanhos de todos os tipos... A turistada exo e esotérica que santifica e adora pedras! E que quer romantizar as montanhas, os abismos mudos e indiferentes... Lirismo de eunucos... Ex hippies... agora já senhores e senhoras caquéticas... Os esotéricos. Os defensores dos abismos e da natureza e, claro, os antigos mistificadores daquilo que a polícia e os velhos chamam de estupefacientes. As drogas. O opium, a mescalina e a cocaína. O produto interno bruto deste país é turbinado pela coca. As folhas de coca mastigadas enquanto se faz a suposta trilha dos Incas e dos Aimaras cristianizados. Pura ficção. Mascar artemísia faz o mesmo efeito. Até o tão falado soroche (mal das alturas), é uma mistificação das agências de viagens para excitar os viajeiros bobalhões, hipocondríacos, histéricos e paranoides... Todo mundo sabe que quem chega em Brasília no mês de agosto, tem mais chances de ter uma síncope e de 'bater as botas' do que quem se aventura bruscamente pelo Machu Picchu... No meio das vestimentas da velha índia uma bolsa repleta de folhas recém coletadas. Os turistas glamourizam essa ruminação. Lá em Bénares o glamour era ao redor do bétel... As balzaquianas e as adolescentes suecas com os dentes impregnados da droga. E a marcha para o alto onde está o famoso relógio do sol, desativado e conhecido por intihuatana, que na língua de quem o construiu quer dizer: lugar onde se amarra o sol. Bobagens selvagens! Qualquer criança que vem nos mendigar um “sole” ou um “dólar” e todos os guias repetem a mesma historinha de que aquele instrumento servia para marcar a passagem do tempo e assim orientar as plantações e as colheitas... Sim, foi o antecessor da clepsidra e do relógio de areia a quem Borges dedicou uns versos... A trilha é relativamente longa. A fiz há cinquenta anos atrás, quando tinha vinte anos. Quando ainda era um adolescente meio idiota. A sopa inesquecível de batatas daqueles dias, lá nas margens do Titicaca contrastando agora com a sopa de quinoa aqui no primeiro andar do Plaza... Ficções atreladas ao tempo. Cheiro de marijuana. Gente do mundo inteiro já passou por aqui embalada pela mística e pelo folclore profético dos alucinógenos. As drogas. Um biscoito impregnado de cocaína já foi a hóstia desses beatos... Dessa turma que se contenta com duas ou três horas de visões caleidoscópicas. Que precisa acreditar que no meio destas pedras e dessa peregrinação encontrará sinais do mysterium tremendum... Um casal que vai eufórico ao meu lado recita trechos do Kubla Khan, o poema babaca de Coleridge. Na camiseta da moça a frase de Baudelaire: O ópio approfondit le temps.Aprofundar o tempo! O que isso quer dizer? Nada! Como os cristãos, também queimam incenso a seus apóstolos: Esse tal Coleridge; De Quincey; Artaud; Allen Poe; Baudelaire;; Ginsberg; Flaubert; Maupassant; Burroughs; Vaché;, Rigaut; Musset; Huxley; Apollinaire; Magritte; Cocteau; Breton; ... O Club des Hachischins, lembram? Era a catedral dessa gente. Todos envenenados pelas Escrituras. As catedrais construídas sobre as taperas dos nativos. Aliás, ontem, ali na Plaza de las Armas, rezaram uma missa em Quechua (em homenagem a um Cristo negro) no mesmo dia em que os palestinos caíram na armadilha do império e atacaram os judeus... (agora poderão ser eliminados como ratos, sem que alguém venha a fazer alguma analogia com o holocausto...). Rezada em Quechua, me pareceu uma trapaça ainda mais surrealista e opressora do que nos tempos mórbidos do latim... Tudo está dominado! O espírito e a arte como álibis... Abrir as portas da percepção, garganteava Huxley, como se a vida pudesse ser menos medíocre do que é... Agrupados em hoteizinhos vagabundos - lembro - chupavam até éter, cânfora e perfumes... E os Hinos que suas mães e avós cantavam a Deus, eles, como protesto, entoavam aos demônios. A fé era a mesma. Para ser alguma coisa naquele século, como não se enfiar no ópio, no álcool, na morfina, na mescalina, no LSD? Era necessário turvar a água (abrir as portas da percepção) para iludir-se de que havia profundidade nas poças d’água... Até o velho e rabínico Freud flertou com a cocaína. Seus discípulos, até hoje, ficam arrepiados diante desta notícia. Bobagem! Pensem em Van Gogh (que as velhinhas adoram), em Blake que é quase uma reencarnação de Moisés e em Jerôme Bosch, através de quem (e de suas obras), a burguesia, inflamada, “lava” milhões de dólares... Capitalismo e anarquismo xamânico! Aliás, O Carlos Castanheda, aquele que escreveu o famoso livro A erva do diabo, nasceu aqui, era peruano, de Cajamarca. Onde fica Cajamarca? Ainda hoje, os bobalhões que perambulam por aí, quando falam em New Age, citam a tese que o místico antropólogo Castanheda defendeu numa universidade da California... Naqueles tempos tudo isto aqui era apenas um vilarejo, agora tudo está entulhado de multinacionais. A montanha dos deuses e de Tupac Amaru agora tem uma antena da CLARO.
O vento que cristaliza nossas lágrimas e o sol que carboniza nossos lábios... O mito da culinária peruana... As filas de nativos diante do Starbucks são quase escandalosas... E o ódio dos peruanos ao Vargas Llosa é geral... A ele que quando entendeu o que o cercava, buscou voluntariamente um exílio, para nunca mais voltar... Exilar-se? Sim, mas para onde?
Nem sinal do ópio da Birmânia, da heroína, dos cogumelos da Maria Sabina... Havia e há um frenesi na diplopia. Na visão dupla das coisas. Lhamas! Esse animalzinho explorado e estranho, de olhos saltados... Naqueles tempos identificávamos uma semelhança estética entre a xota delas e a das adolescentes que nos acompanhavam, quase autistas... A única diferença - nos parecia - estava no relevo dos grandes lábios...
A trilha vai em direção aos Andes como uma serpente gigantesca feita de pedras, de sangue, de mitos, de mentiras, de passos e de neve... Claro, seria melhor subir de ônibus, de riquixá ou alugar um jeep... mas, e o mito? Como dizia um dos drogados clássicos que foi mistificado pelos editores e pelos traficantes de artes:
“O que significa o paraíso se não custou o sacrifício de uma existência inteira?”
E a voz dos camelôs recitando: Pachamama!!!
Dizem que quando a rainha da Espanha esteve por aqui, (não faz muito), subiu ao topo da 'montanha sagrada' num helicóptero ... E que a turba, sem lembrar do passado, queimou até incenso à sua passagem... A solidão da América Latina é vibrante. Respira ofegante e até orgulhosa sob as botas de cinco ou seis multinacionais e de cinco ou seis bispos... Como colocar-se de pé? Sim, é preciso libertar-se de Tupac Amaru e do Papa.... Mas como, se ainda acreditam que a educação tradicional poderá salvar o mundo? E quando a domesticação e o adestramento das crianças é mais do que visível?... E se já estão acostumados ao status de colônia? Ah! Juntamente com o resto da América Latina, - é necessário admitir - dificilmente conseguirão sair da merda em que se encontram...
Se o Brasil é assim.., imaginem o Peru!!!
Delírios proféticos! Todos vão caminhando em silêncio mascando as folhas de coca como cabras, sem se importar com o fato da campesina que as colheu não lavar-se as mãos há décadas... De vez em quando alguém cospe uma saliva nojenta e escura... Outros param para fazer poemas, rabiscar impressões, os casais se lambem e trocam aquela saliva gosmenta e fingem estar produzindo a obra prima de suas vidas... Ah! Machu-Pichu! A montanha sagrada! Bobagens infantis! Penso na Datura Stramonium, aquela droga que por provocar visões singulares e um comportamento bizarro é conhecida por burladora. A vida, do berço à tumba, é uma burla... A peregrinação continua. No meu bolso o tic tac, de um “guardião do tempo” movido a pilhas... Ouço uma senhora nativa dizendo em quéchua, para sua filhinha: já se passaram mais de 40 minutos e estamos no mês de Qaya Raymi (setembro)! Penso nas sessões lacanianas de 40 minutos. O tempo lógico de Lacan! Mas, e o tempo ilógico? E nas oito horas diárias de trabalho. Mas que já foram até dezoito.
Quando passei por aqui, meio século atrás, ouvi de uma velha feiticeira ali em Puno: nuestro ritual durará menos de 30 minutos... Este es nuestro tiempo lógico... No te olvides: lo que no pasa en 30 minutos nunca más pasará...
A bobajada atribuída aos quechuas... A foice e o martelo que o Sendero Luminoso havia imprimido na montanha ao redor de Cusco, foram pisoteados pelo Fujimori e esculpida em seus lugares a frase: VIVA PERU LIBRE...
Hoje, tenho o máximo cuidado para que o lirismo das memórias e da trilha não me empurrem para algum novo tipo de mitomania ou de charlatanismo... Para que a baba escura da coca não deslize para a gola de minha camisa Dudalina... Para que não comece a ter a impressão de estar ouvindo a música das esferas e a identificar entre as pedras sobrepostas alguma harmonia divinal... Para os "espiritualistas", cada ângulo de rocha e cada sombra é motivo para uma profecia... E os bandos ruminam mistérios, premonições e hipóteses! O tempo aprofundado, insistem os nativos da mesma maneira que insistiam os intoxicados de ópio e também Baudelaire. Há milagres atribuídos às pedras, ao ópio e aos sonhos. Nostalgia pelo cordão umbilical. Um cuy (esse primo dos coelhos e dos ratos) sacrificado em homenagem à Pachamama e ao paraíso perdido... Proust, com suas madeleines: em busca do tempo perdido! Tempo de dormir/tempo de acordar. Tempo de trabalhar... Curiosamente, apesar de ainda ser uma colônia latino-americana, foi aqui que, por primeira vez no mundo, lá por 1919, depois de uma greve total em Lima, os trabalhadores 'conquistaram', antes da França e dos EEUU, A jornada de oito horas... A escravidão amenizada! Observem como o mundo é um covil de manipuladores! Mas depois de Einstein, todo mundo sabe, a noção de tempo passou a ser relativa. E no calendário Inca não mencionam a entropia e nem a morte térmica dos Andes e da América Latina... Lá longe o Big Ben andino e o murmurar das ondas do Pacífico... A mistificação piegas do Calendário Inca. Penso num consolo dos talibãs, referindo-se aos invasores: "Eles têm os calendários, nós temos o tempo..." A Bolívia, o Equador, o Brasil, a floresta imensa cobrindo tudo, o maior rio do mundo que nasce ali no lago Lauricocha... Quase 6 mil metros acima de nossas orelhas e das areias do Pacífico... Rio feito basicamente de gelo e de neve derretida que atravessa a Colômbia, e vai, em sua solidão secular, mudando de nome: Tunguragua, Maranõn, Apurimac, Ucayali, Solimões, Amazonas... edificando e desmontando ilhas; levantando e derrubando barrancos; inundando cortiços, dando vida e matando florestas... rasgando a terra com seus fetos e folhas, suas pedras e seus cemitérios... Ziguezagueando nas três dimensões do espaço... Até lançar-se como um louco nas águas de outro mar, de um outro oceano, para ali depositar e esconder seus mistérios e seus crimes... para sempre.
Pachamama un carajo!
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