"... Et comment les Brésiliens se mettent-ils, sans se bruler des charbons ardents dans la bouche...?"
Gaston Bachelard
(IN: La psychanalyse du feu... página 66)
Conversando com o Mendigo K. que esteve por alguns meses no exterior ouvi o relato daquilo que é mais impactante quando se volta:
Em primeiro lugar: O sucateamento geral de máquinas, de prédios, de ruas, de escolas, hospitais, ônibus, portas, praças, botecos e até mesmo das pessoas. A fala dos administradores da cidade e dos próprios jornalistas que esta religiosamente viciada e centrada na idéia e na filosofia doentia da remediação. Remediar é o verbo predominante! O porvir parece não estar na pauta de ninguém. Os postes seguem cheios de gambiarras e o asfalto das ruas continua e continuará por muito tempo, apesar dos argumentos em contrário, sendo de dois centímetros e não de dez... Para durar até o próximo período de chuvas e não pelos próximos cem anos. E quem visitar a antiga rodoviária (no Plano Piloto) lá pelas 11:00 horas terá certeza de que o Renascimento ainda não chegou por aqui.
Por quê se pensa e se age assim? Me perguntava no meio da conversa e, diante de meu silêncio, ele mesmo respondia: Por um transtorno de personalidade somado a um sentimento de párias.
Segundo: A pantomima relativa às passarelas subterrâneas aqui de Brasília que vem há anos evidencia essa patologia: No mínimo há dez anos planejam torná-las minimamente dignas. Já contrataram arquitetos, designers, artistas, decoradores, padres, pastores, músicos, gurus, e até algumas cortesãs para aconselhamentos mais íntimos... E, como dizem os espanhóis - no pasa nada! Tudo continua igual, isto é: seguem como mijadores e cagadouros de transeuntes, de indigentes, de ratos, de cachorros e até mesmo de turistas... (fotos abaixo feitas há meia hora). Só mesmo os potencialmente suicidas se atrevem a cruzar por uma delas depois que o sol se foi... E mesmo assim o fazem com um canivete aberto e disfarçado no meio de um jornal... Qual é a causa? E ele mesmo respondia: uma burrice crônica que afetou o sistema nervoso central.
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Terceiro: É impressionante constatar que a arquitetura de Brasília (tanto dos prédios comerciais como dos residenciais) é idêntica ao que há de pior nas periferias e guetos das cidades européias. Tudo feito para albergar provisoriamente pessoas desamparadas, desempregadas, imigrantes, marginais e fodidos daqueles anos 50, 60. O Sr. Le Corbusier e o Sr. Niemayer deveriam ter tido tempo para prestar contas não apenas aos proletários, mas também à classe média fajuta que perdeu parte da vida enfiada nesses cortiços...
Outra coisa que chama verdadeiramente a atenção quando se volta são as mulheres, principalmente as de uma determinada instituição estatal que visitei no dia de minha chegada. O investimento que elas vem fazendo no tamanho das tetas e das nádegas é quase inacreditável. Qual é, afinal, a fantasia que empurra essas idiotas para esse bizarro lugar? Umas inclusive, levam os celulares nos bolsos traseiros para dar ainda mais volume aos famosos glúteos...
Quarto: Para quem viveu um bom tempo no exterior como um Zé ninguém e como um bundão anônimo, os flanelinhas e outros malandros que ficam por aí (com a cumplicidade das ditas autoridades e do Estado) extorquindo nas ruas e nos estacionamentos dão ao sujeito que volta até um certo fôlego quando, no processo de extorsão o chamam cinicamente de doutor, de chefe e, algumas vezes, até de comandante...
Posso cuidar de seu carro, doutor? Vamos lavar, comandante? E aí chefe, posso vigiar?
Quinto: A obsessão por automóveis é visível aqui pelos 'pobres trópicos'. Para ir até a esquina é necessário ir de carro. O sujeito sente que não existe se não tem um carro, ou dois, ou três... Ir a pé até a esquina é quase uma humilhação e pensar em transporte público quase uma afronta e um delírio... Curiosamente, nos países desenvolvidos se anda confortável e soberbamente em transporte público enquanto em países miseráveis e aos pedaços é necessário ter uma merda dessas estacionada em frente a casa, tirá-la da garagem cinco vezes por dia, aprumar o chapéu, colocar o braço esquerdo para fora da janela, ligar o som e deixar baixar o espírito de porco junto ao espírito de otário...
Sexto: Na política, cada governo que chega demite centenas e milhares de chupatintas entronizados pelo governo anterior.., mas não, como se quer insinuar, para 'moralizar' ou pensando no PORvir da pátria, mas porque se precisa do lugar, da vaga e da gratificação para os, agora, seus chupatintas... Aliás, no serviço público, por mais consciente que o sujeito seja, é impossível não vir a tornar-se um chupatintas. Para mudar uma cadeira de lugar, para levá-la da sala A para a sala B são necessários, no mínimo, seis meses de memorandos, ofícios, reuniões, consultas aos barnabés já aposentados, ao Tarôt e à Bíblia, brigas internas e etc. Quê miséria! e que neurose circular!!... Mas, mesmo assim... la nave va... (para o abismo!)