Sem soluções de curto prazo para a crise hídrica, o governo do Distrito Federal recorreu à espiritualidade para reforçar as chuvas e encher os reservatórios. No início de março, a Fundação Cacique Cobra Coral – entidade esotérica que teria o poder de controlar o clima – montou um "quartel-general" em Luziânia, no Entorno, para adiar a chegada da estiagem ao Planalto Central.
A informação foi confirmada ao G1 pelo
porta-voz da fundação, Osmar Santos – uma das duas únicas pessoas a
entrar em "contato direto" com o espírito do cacique. Segundo ele, a
parceria não prevê investimento público, e deve ser publicada em Diário
Oficial nos próximos dias. A Caesb e o Palácio do Buriti dizem não ter
conhecimento do convênio.
Segundo o porta-voz, a operação será similar à que foi empregada em São
Paulo e no Rio de Janeiro, em 2015, para conter a crise hídrica que
secou os reservatórios daquela região.
Em fevereiro, o blog "Gente Boa", do jornal "O Globo", informou que o prefeito João Doria tinha fechado nova parceria com a fundação.
"Quem nos indicou para o governo de Brasília foi o governador [do Rio],
Luiz Fernando Pezão, que tocava essa operação por lá", diz Santos.
"Começamos há uns 20 dias. [A intervenção] Consiste em prolongar esse
período chuvoso por mais uns dias, para tornar o outono e o inverno mais
úmidos. Também queremos antecipar o período chuvoso já para setembro."
Em anos "normais", a temporada de chuvas no DF começa em meados de
outubro, e se estende até o mês de março. Se o clamor ao cacique for
atendido, as nuvens devem continuar sobre a capital federal por, pelo
menos, mais dez dias.
"É um processo gradual, porque você não pode mexer com a natureza de qualquer jeito, causando efeito colateral. Mas vão ser as águas de abril, e não de março, que vão fechar o verão."
No site da Fundação Cacique Cobra Coral, consta que o espírito que dá
nome à entidade "já teria sido Galileu Galilei e Abraham Lincoln". De
acordo com o texto, a missão da fundação é "minimizar catástrofes que
podem ocorrer em razão dos desequilíbrios provocados pelo homem na
natureza".
Além do socorro às crises hídricas, a fundação já foi acionada pelos
governos estaduais, pela União e até por outros países para garantir o
céu limpo em grandes eventos – Rock in Rio, festas de réveillon e Olimpíadas, por exemplo.
No site oficial da Fundação Cacique Cobra Coral, constam extratos de
convênios firmados com as cidades de São Paulo e Rio, e com os estados
de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Segundo a entidade, o
contrato a ser oficializado com o DF foi feito "nos mesmos moldes".
Logística
O porta-voz da fundação afirma que a base de operações foi montada em
Luziânia, a 60 km do centro de Brasília, por uma questão de logística.
Sem dinheiro público, as viagens dos líderes espirituais entre SP, GO,
RJ e DF são custeadas por dez empresas privadas desses estados, segundo
ele.
"Nós vamos pegar três estações. Chegamos no fim do verão, então devemos pegar o outono, o inverno, até o próximo verão. A fundação funciona como um airbag climático, ou seja, não evita os acidentes. É uma contenção de danos", diz Santos.
Na última semana, a médium Adelaide Scritori esteve pessoalmente em
Luziânia. Filha do fundador Ângelo Scritori – que dizia manter contato
direto com o espírito de Padre Cícero –, é ela quem incorpora o Cacique
Cobra Coral e faz os pedidos ao plano astral.
Além de porta-voz, Osmar Santos também auxilia no diálogo do espírito
com o mundo real. "Ela é uma médium inconsciente, então, o cacique fala
comigo através [do corpo] dela", explica.
O G1 tentou
contato direto com Adelaide nesta quinta, mas foi informado de que a
médium estava "em trânsito" e não poderia atender ao pedido de
entrevista. Questionado, Santos afirmou que o Cacique Cobra Coral não
envia mensagens específicas, e nem dá conselhos aos governantes.
"Ele cobra que façam a lição de casa. Tipo: 'não podemos ajudar os
homens de maneira permanente, se fizermos por eles aquilo que eles podem
e devem fazer por si próprios'".
A "lição de casa" cobrada pelo espírito, de acordo com Santos, inclui a
conclusão das obras de captação de água na Usina Hidrelétrica de
Corumbá IV (entre o DF e Goiás) e no Lago Paranoá. O primeiro projeto
está parado por suspeita de irregularidades, e o segundo recebeu aporte
recente de R$ 55 milhões da União.
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