Enquanto estava lá, de boca aberta, ouvindo os ruídos de toda aquela parafernália, com o endodontista ao meu lado direito "fazendo o canal" de um terceiro molar superior, ia tomando ciência (outra vez) de quanto o corpo humano é uma falácia espantosa e de uma complexidade inútil...
Por que um dente precisa ter uma raiz, um canal radicular, e uma polpa que comumente se necrosa? Ia me perguntando, enquanto a anestesia ia me deixando meio embasbacado.
-Ah, mas deus ou a natureza das espécies quis assim e sabe o que fez! Imaginei os clássicos beatos e antigos bajuladores de sempre, resmungando.
Por que um terceiro molar necessita de uma raiz e de uma polpa se não quer apodrecer, - sigo me perguntando, agora, com o maxilar inferior já quase despencando - , se tenho encontrado por aí, nos museus e nos terrenos baldios, dentes de cachorros, porcos, gatos, antas e até de bichos do período jurássico, praticamente intactos depois de séculos e de décadas da morte de seus proprietários?
Eu mesmo, em minha adolescência, levei pendurada ao pescoço, como um amuleto, a presa esquerda de de uma onça que um caçador analfabeto, numa noite de chuva, havia abatido a golpes de foice no Parque Nacional, nos arredores das Cataratas do Iguaçu... E essa relíquia - lembro-me muito bem -, sem canal, sem polpa, sem raiz, sem escovação e sem nada permaneceu saudável, brilhante e rígida pendurada a meu corpo por mais de uma década, quando então, por influência papal, me obrigaram a substituí-la por outro tipo de patuá, mais popular, sagrado e de ouro...
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