domingo, 31 de janeiro de 2016

Duas curiosidades sobre César Vallejo...

Eu que detesto toda e qualquer manifestação futebolística, estou surpreso e impressionado com o nome que os peruanos deram a um clube e a um time daquele país andino: CLUB DEPORTIVO César Vallejo .
Escritor, ensaísta e poeta, (1892-1938) um dos mais importantes da América Latina, Cesar Vallejo foi, inclusive, um dos principais inspiradores da fundação do Partido Comunista Peruano. Que outro país se
atreveu emprestar a um simples time de futebol o nome de um de seus melhores escritores? Depois de conhecer sua obra visitei sua tumba no Cemitério de Monparnasse em Paris. Sobre a
lápide, quando a fotografei, (1992) estava escrito em baixo relevo este trecho de um de seus poemas: Yo naci un dia que Dios estuvo enfermo. (ver fotos acima)
Curiosamente, nas fotos agora disponíveis  na internet, como a que publico ao lado, a frase que menciono foi coberta pela bandeira estatal peruana ficando à vista apenas a frase colocada lá por sua última mulher, Georgette: J'ai tant neigé / pour que tu dormes.
Conclusão: Neste mundo cretino, até a memória, as idéias, os pensamentos e os sentimentos dos mortos são evangelizados, catequizados e profanados...

sábado, 30 de janeiro de 2016

Algumas das mais fantásticas bibliotecas do mundo...


Mas....., é sempre bom lembrar aquilo que dizia Paul Valéry: "Uma coisa que a  gente só conhece através dos jornais ou dos livros, a gente pode jurar que não a conhece..."













quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Um dilúvio em Pirenópolis. Ou a fúria do Rio das Almas...

Quem mora em Brasília e vive intoxicado e envenenado pelas tramóias políticas do dia-a-dia, para não enlouquecer, (me refiro à loucura clínica) costuma passar os finais de semana num vilarejo de aspecto colonial (tipo Paraty), antigo garimpo dos portugueses que fica no Estado de Goiás, a umas duas horas de Brasília, fincado aos pés das montanhas dos Pirineus. Vilarejo atualmente  conhecido aqui e ali por Pirenópolis. Esse vilarejo ultimamente habitado também por antigos hippies, naturalistas, fumadores, artesãos, astrólogos, alquimistas, ex-burocratas, poetas, músicos, fotógrafos, espiritistas, cineastas, bruxos, macrobióticos, reichianos, ioguis, antigos discípulos do OSHO, feministas, ciganos, comerciantes, algumas esotéricas e românticas mochileiras vinda da Europa, um ou outro luthier, especialistas em pedras semi-preciosas, assim como traficantes de quartzito-micáceo, mestres em ayurveda, malandrins, artífices em metais semi-preciosos, acupunturistas, feiticeiras, muitas cozinheiras em quiosques que vendem empadões recheados com guariroba e etc. etc, é cortado por um rio que leva o nome simbólico, misterioso e transcendente de Rio das Almas. Muitas das pensões, pousadas, hostels ou hoteizinhos que existem por lá (com diárias mais caras que em Berlim) foram levantados às margens desse rio dando aos hóspedes a chance e o prazer de, em plena madrugada, no meio das sinfonias dos galos, de um oceano de estrelas ou de uma homérica trepada, ouvir as lamúrias quase zen de suas correntezas. Depois de umas boas cheiradas, para fazer jus a seu nome, há quem jure ouvir relatos e estórias vindas do meio das águas e contadas por fantasmas de velhos pagés caiapós, estórias e novelas curiosas e até assustadoras dos longínquos tempos dos bandeirantes (bandidos) e da exploração do ouro... Mas, todo mundo sabe: é apenas delírio, o efeito demolidor do pó nas sinapses dos neurônios e nada mais. Eu mesmo, em várias estações do ano, passei tardes inteiras ali por debaixo de uma ponte vermelha, aquela que fica bem em frente à única cadeia da vila, construída lá por 1919 (quase sempre vazia) com os pés na correnteza, admirando os peixes que vinham beliscar minhas unhas ou os cavalos que, um pouco mais abaixo refrescavam as canelas e as ferraduras quase juntos a uma família que brincava feliz, como se estivesse na Riviera francesa, saltitando nas águas azuis do Mediterrâneo...
Pois bem, no último dia 27, depois da borrasca que houve por lá, esse rio, com suas almas, fez um estrago imenso na cidade. Dizem que não ficou paralelepipedo sobre  paralelepipedo, que as paredes das casas trincaram, que as vitrines lotadas de bijuterias, artesanatos e de pratarias despencaram sob o efeito da enchente e que se via correntões, pulseiras e anéis de prata com suas falsas esmeraldas, pingentes de ágata, ametista e até de turquesa sendo levados pela enxurrada no meio de restos dos balcões da feira até desaparecerem... Que a igreja matriz construída de taipa em 1728, e recentemente restaurada com grana do Iphan, tremeu nas bases...  e que os estábulos onde anualmente se realizam as festas do Divino ficaram arruinados. Dizem também, que quando as águas baixaram, para o deleite dos carcarás, havia pequenos peixes, lama e lagartixas obstruindo as calhas dos casarões e, o mais curioso, que até agora, com a cidade ainda aos pedaços, não apareceu alma nenhuma (nem dos índios, nem dos bandeirantes e nem dos velhos lusitanos) para reivindicar a autoria dos estragos...
Diz a lenda que o nome do rio surgiu a partir do juramento de um garimpador de ouro que prometeu: tão logo encontrasse um veio de ouro, mandaria rezar uma missa às almas do purgatório... O larápio teve sorte, pois hoje, segundo um dos últimos e revisionistas pontífices, o purgatório nem mais existe.

Fotos de Sergio Cruz publicadas no jornal O Popular de Goiânia




quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Os mosquitos e as BMWs

O populacho aqui em Brasília está outra vez esperneando e fingindo indignação com a nova aquisição do DETRAN que deverá acontecer nestes dias. Não sei exatamente quantas, mas parece que serão mais de quinze motos BMW, cada uma custando quase cinquenta mil reais. Realmente é bizarro ver um país arruinado e na ante-sala da falência com seus soldadinhos desfilando por aí em BMWs e de ray ban espelhados para caçar velhinhos neuróticos, madames histéricas ou adolescentes alucinados que dirigem embriagados... Num passado recente, - todo mundo se lembra -, a choradeira geral e inútil foi contra a compra de de 36 aviões "de guerra" GRIPEN NG, de uma empresa sueca, também por uma verdadeira fortuna... Mas as lágrimas logo secaram, ninguém nunca os viu, ninguém sabe onde estão, nem a Argentina e nem o Uruguay nos declararam guerra e tudo ficou por isso mesmo. O pior, é que agora, por mais fanática e ignorante que a pessoa seja, sabe que nem os caças e nem as BMWs servem para caçar a mosquitada que ronda tanto os lixões como nossas artérias e que a dengue tem lotado os hospitais por aí, aqueles claro, que por milagre ainda se conservam em pé.. 
Segundo o padeiro da esquina, - que, aliás, tem especialização em Londres, (custeada pelo governo) e exatamente na área de engenharia de trânsito -, a polícia rodoviária, com toda essa dinheirama, ao invés de 16 BMWs poderia ter se contentado com a compra de umas 50 dessas motocas japonesas usadas com sucesso pelos entregadores de pizza e de sushi... Ou mesmo com o uso de cavalos. Sabe-se até - diz ele -, que em alguns países, a polícia rodoviária cumpre suas tarefas, e muito bem, no lombo de búfalos. 
De minha parte, conhecedor e vítima da buraqueira que decora nossas ruas e avenidas, fico só tentando adivinhar o tempo que será necessário para que essas luxuosas máquinas e a equivalente montanha de dinheiro que se gastou para adquiri-las, se transformem em sucata e em lixo... 
Por fim, como diria o filósofo romeno: "as rugas de uma nação são sempre tão visíveis quanto as de um indivíduo"...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Para ler as bulas. Mas, por que não o kamasutra?


"Os velhos se repetem e os jovens não têm nada a dizer... O tédio é recíproco"
J. Bainville

No restaurante onde gosto de almoçar nas segunda-feiras ou, de vez em quando, também em outros dias, sempre passa de mesa em mesa um homem dos Andes (deve ter uns cinquenta anos e não sei se é boliviano ou peruano) tentando vender aos que ali já estão palitando os dentes, algum tipo de cacareco: bilhetes de loteria, pilhas, canetas, CDs, cordas de guitarra, ou coisas parecidas. 
O sujeito, apesar de gorducho, ainda carrega em si os gestos, os traços, os cabelos e a coreografia dos velhos incas... Claro que está longe de parecer-se àqueles guerreiros dos tempos pré-colombianos, que abatiam com suas setas um condor em pleno voo e que faziam trilhas pelo meio das montanhas e das neves sem que a respiração e o coração se lhes alterasse e com apenas um punhado de folhas na algibeira. Está gorducho. Aliás, observem como os fodidos sociais ao nosso redor, estão alterando para cima o gráfico da obesidade... Enfim, esse senhor, vindo não sei como e nem quando das montanhas andinas, para este país, (um dos mais surrealistas do mundo), fazia ziguezague por entre as mesas na hora do almoço desta segunda-feira meio chuvosa. Como já me conhece e sabe que nunca demonstrei o mínimo interesse nem por seu destino e nem pelas porcarias que vende, veio hoje armado com uma "sutil" agressividade (uma espécie tribal de bullying) oferecer-me uma lupa com cabo de chifre e com esta  especial e "delicada" indicação: "para ler a bula dos remédios". Claro que entendi de imediato a sutileza de seu mau caráter, pois se fosse menos canalha e menos vingativo poderia ter substituido, por exemplo, bulas, pelo kamasutra ou por outra leitura qualquer...  Indignado, parei de mastigar as pernas de um frango que já estavam pela metade e, com uma agressividade equivalente à sua, o mandei enfiar aquela porcaria no rabo, além de ameaçá-lo de acionar os burocratas do Itamaraty para que o repatriassem o mais breve possível para o lugar mais tenebroso, frio e solitário das cordilheiras... Sabedor de que somos um povo cordial, não deu a mínima importância para minha ameaça e seguiu de mesa em mesa rebolando os quadris, com meia dúzia daqueles objetos infames em cada mão e convicto de que sua flecha, lançada com a mesma maestria de seus ancestrais, havia atingido o alvo em cheio....

Como escreveu Borges: "Estaba poseído por el espejo: ni siquiera trató de alzar los ojos o de volcar la tinta". IN História universal de la infamia, p. 327.


domingo, 24 de janeiro de 2016

CARNAVAL - Do sagrado e do profano... Ou do profano e do sagrado...




Nestes dias pré carnavalescos todo mundo finge tornar-se mais simpático, mais liberal e mais sexual do que geralmente é e acaba fatalmente pegando uma sífilis ou simplesmente sendo esfaqueado, intoxicado ou assaltado em algum dos insólitos pontos de lazer das cidades, sejam elas verdadeiras urbes ou, como no caso, uma melancólica aldeia.. Acabo de reencontrar o mendigo K. Digo reencontrar porque já o havia encontrado ontem. Agora, surpreendentemente, ia no meio da Esplanada dos Ministérios, direção Palácio da Alvorada, pulando numa perna só no meio de um chuvisco, descalço, as unhas dos pés sanguinolentas, com uma camisa vermelha colada às costelas, meia garrafa de cachaça no bolso traseiro, com um visível sarcasmo na cara e simulando espontaneidade no meio de um exército de otários e de alucinados. Era um dos poucos que não estava vestido a rigor e talvez por isso se destacava e se diferenciava tanto no meio de todos aqueles foliões travestidos das mais esquisitas maneiras. Ao seu lado havia um que parecia um Imperador romano, outro que lembrava explicitamente a Calígula, outro que usava uma máscara estilo veneziana, mas da Madame Bovary, uma mulher que levava uma foice às costas, um anão com obesidade mórbida que assoprava numa espécie de flauta feita com chifre, outro que vestia um roupão idêntico ao do Papa Francisco e até um sujeito quase de dois metros de altura fantasiado de general que ia de braços dados com um outro, meio anoréxico, que levava na nuca uns penachos coloridos parecidos aos dos Dragões da Independência... Havia também uma moça delicada e febril, recém saída da adolescência, com suas duas pequenas tetas bem à mostra, vestida de bailarina e com o nome de Isadora Duncan escrito num cachecol recém tirado do armário. Na frente de tudo, evidentemente, ia uma daquelas fajutas bandinhas de quartel que jogava serpentinas e confetes sobre o bando e que lembrava as bandas Neo-medievais, tocando tudo o que era tipo de instrumentos, com dois homens octogenários fazendo, ora caretas de lástima, ora fingindo plenitude no alto de uma espécie de andor, maca ou de padiola... No meio de tudo, como não podia faltar, uma briga. Uns coitados  chutando a cara de outros coitados... e a gritaria era geral... (ver video acima)
Quem ainda não havia tido oportunidade de conhecer as pinturas de Brueghel tinha ali, a disposição, a obra inteira, praticamente tudo, e ainda por cima, com a vantagem de que os personagens estavam em movimento e ao vivo...
Com muito esforço fui acompanhando aquele cortejo ou aquela procissão até quase o viaduto da rodoviária quando o mendigo K. separou-se do grupo e, mancando, veio ter comigo. Foi logo tomando um trago e fazendo um discurso sociológico: Estou impressionado com essa gente. Olhe para esses desgraçados e veja como fazem de tudo para "parecerem felizes"... - Deu uma gargalhada e fez uma ressalva -: Mas lembre-se: não são os únicos atores desse imenso circo.., existe uma outra tribo em uns templos perto daqui que, a uma hora dessas, contrariamente a esses idiotas, estão reunidos e fazendo, sabe o quê? Fazendo de tudo para "parecerem infelizes". Infelizes? - Retruquei - . Sim, infelizes - repetiu -. De mãos dadas ou uns sentados no colo dos outros, gritam, choram, juram, evocam, esperneiam, olham para o teto do templo e gritam em coro: hosana nas alturas! Que segundo os especialistas quer dizer: Salva-nos agora, ó tu que habitas nas maiores alturas”. Ficam uns minutos em silêncio e depois continuam falando de suas culpas e pedindo perdão, se jogam no assoalho, se descabelam, mijam nas calças, imploram as coisas mais extravagantes a um deus, no mínimo indiferente e mais prejudicial e invisível do que essa poluição (aponta para a fumaça que, misteriosamente, levanta no meio da turba)... e depois, - concluiu - enxugam as lágrimas, depositam os 10% do dízimo num saco e vão embora, extorquidos e aliviados. 
Ao terminar a frase, cuspiu no asfalto e rumou para o meio da folia cantarolando e acompanhando a banda e a turba que gritava: Tudo é carnaval, tudo é carnaval, muita alegria pessoal...
Para ouvir a música clique na ponta esquerda da barra



sábado, 23 de janeiro de 2016

O quanto nosso judiciário ainda tem a aprender com a polícia mexicana...

Todos se lembram do chefão e traficante mexicano conhecido por El Chapo, aquele que foi preso na semana passada e que declarou morrer de amores pela atriz, também mexicana, Kate de Castillo. 
Pois bem, por perceber que o preso está em depressão, a polícia de lá lhe presenteou sabem com quê? Cassetete? Pau de arara? Pequenos choques nos testículos? Doses massivas de certralina? Nada disso! Mas sim com o Don Quijote de la mancha, de M. de Cervantes. Mil e oitenta e quatro páginas (que, coincidentemente, Cervantes começou escrever numa prisão) que poderão regular sua captação da serotonina e devolver-lhe o entusiasmo, o vigor e o ânimo...  
Quem é que tem notícias de uma policia tão erudita e tão sábia como essa? Nem na Noruega. Que viva México, mierda!!!
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Lembrança final: Toda prisão é um horror. O medular e principal engendro de uma espécie vingativa, invejosa e cruel. Observem como seus construtores e seus administradores são sempre e sempre mais abjetos e mais detestáveis do que seus infelizes 
e impotentes inquilinos. 
Abaixo todas as prisões!





Momento a-histórico...

Em função dos últimos acontecimentos nacionais e da ruína econômica que está sendo anunciada aos "quatro cantos" do mundo, aqui em Brasília o assunto CORRUPÇÃO infestou todos os diálogos, até mesmo os mais amorosos. Não se fala em outra coisa. Se vou ao barbeiro - por exemplo -, depois das primeiras navalhadas ele cochicha em meu ouvido as denuncias de hoje. O açougueiro da esquina enquanto desossa uma vaca traz os derradeiros pormenores da roubalheira; os porteiros dos ministérios e dos apartamentos funcionais sabem até os centavos de euros contidos nas maletas; os caixas dos bancos driblam seus gerentes e distribuem clandestinamente aos clientes o número das contas secretas na Suíça e anunciam que vai haver um dilúvio e uma quebradeira geral; o coveiro, olhando para o cadáver, diz até sentir-se feliz por aquele pobre diabo ter escapado do caos que virá; os indigentes dos semáforos desconfiam e olham atravessado para qualquer pessoa que lhes dê algo além de duas moedas e até as putas ali do setor de oficinas norte, acreditem, interrompem seu trabalho bucal para resmungar ao cliente a lista completa e atualizada dos envolvidos... 
Ontem, ou antes de ontem, passando por lá, casualmente, depois das 23:00, encontrei o mendigo K próximo às escadarias de um pequeno puteiro, desses pulguentos e modestos dissimulados e com alvará de pensão. Levava meio visível no bolso de um velho casaco marrom e em courvin o asqueroso livreto do Cardeal Mazarin, que inclusive contém um prefácio do charlatão Umberto Eco. Sabedor disto que lhes relato, retrucava com muita agressividade a uma das senhoras da noite, senhora que com seu cabelo pintado de lilás, suas botas, seu vestido meio cigano, o batom que quase lhe entrava pelas narinas e um guarda-chuva a tiracolo lembrava, pelo menos naquela hora e naquela precária claridade, uma das mais tenebrosas bruxas de Salém. Para mim - dizia ele - a única coisa que me incomoda nessa bandalheira toda e nessa corja de bandidos corruptos, é o fato deles nunca terem me enviado, pelo menos, uma garrafa de vinho...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O corpo: essa falácia espantosa e de uma complexidade inútil...



Enquanto estava lá, de boca aberta, ouvindo os ruídos de toda aquela parafernália, com o endodontista ao meu lado direito "fazendo o  canal" de um terceiro molar superior, ia tomando ciência (outra vez) de quanto o corpo humano é uma falácia espantosa e de uma complexidade inútil...
 Por que um dente precisa ter uma raiz, um canal radicular, e uma polpa que comumente se necrosa? Ia me perguntando, enquanto a anestesia ia me deixando meio embasbacado.
-Ah, mas deus ou a natureza das espécies quis assim e sabe o que fez! Imaginei os clássicos beatos e antigos bajuladores de sempre, resmungando. 
Por que um terceiro molar necessita de uma raiz e de uma polpa se não quer apodrecer, - sigo me perguntando, agora, com o maxilar inferior já quase despencando - ,  se tenho encontrado por aí, nos museus e nos terrenos baldios, dentes de cachorros, porcos, gatos, antas e até de bichos do período jurássico, praticamente intactos depois de séculos e de décadas da morte de seus proprietários? 
Eu mesmo, em minha adolescência, levei pendurada ao pescoço, como um amuleto, a presa esquerda de de uma onça que um caçador analfabeto, numa noite de chuva, havia abatido a golpes de foice no Parque Nacional, nos arredores das Cataratas do Iguaçu... E essa relíquia - lembro-me muito bem -, sem canal, sem polpa, sem raiz, sem escovação e sem nada permaneceu saudável, brilhante e rígida pendurada a meu corpo por mais de uma década, quando então, por influência papal, me obrigaram a substituí-la por  outro tipo de patuá, mais popular, sagrado e de ouro...

Mais um lance da miséria humana...

Um homem de origem latino-americana que interceptou ligações telefônicas de sua mulher com outros homens, a obriga a andar nua (só de botas), pelas ruas de Nova York, enquanto a filma e a vai chamando, entre outras coisas, de maldita perra. E o pior: ela se rende a essa violência com a submissão de uma criança...
Fato bizarro que anuncia novamente que a solidão e as misérias de nossa espécie não têm limites...
O video pode ser visto abaixo, até que o Big Brother o permita.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A marcha para o demônio... (O governante deste mundo! - segundo a bíblia)


























Enquanto os astrônomos anunciam a descoberta de um nono planeta dez vezes maior que a terra e que aqui no Distrito Federal os casos de dengue cresceram 800% só nos últimos dias, o governo local está prestes a criar, sabem o quê? Uma nova secretaria. Sabem para que? Para garantir a liberdade religiosa. Parece demência, mas não é. Aliás, todos devem ter tido notícias das recentes manifestações dos Satanistas que aconteceram no domingo passado, dia
17. 
Sim, marchas e manifestações em todo o país em homenagem a Satanás e mais, nos mesmíssimos moldes daquelas marchas e passeatas anuais em homenagem a Cristo, a São Sebastião, Padre Cícero e etc. Dizer que aqueles são mais alucinados e mais delirantes que estes é um desvirtuamento canalha da realidade.
E imaginem o dia em que os educadores tornarem obrigatória a História do inferno nas creches, assim como o Estado e as primeiras damas começarem a doar terrenos também para aqueles manifestantes luciferianos construírem templos, igrejas e basílicas a Satanas, (como fazem hoje com todas as outras seitas e máfias que se proliferam por aí)... 
Vai ser mais do que cômico assistir diariamente, e principalmente à noite, três ou quatro policias de plantão lá nos novos santuários, com escopetas aos ombros e se cagando de medo ao lado de uma imensa estátua vermelha de belzebu, para, segundo a Constituição, protegê-los dos beatos e dos vândalos... 
Além da evidente ruína do caráter dessa gente e da idiotice nacional que isto evidencia, prestem atenção como em nome de um verbo mais do que esclerosado - como dizia Cioran - ainda continuamos levantando nossas fogueiras...

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Estas palavras do velho Sobral Pinto deveriam estar esculpidas nas colunas das faculdades de direito, bem como nas paredes da OAB... O resto é vigarice e trapaça acadêmica!


“O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”. (...)
“A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão”. 

domingo, 17 de janeiro de 2016

Mistério - A exposição que desapareceu... Ou Brasília realmente "expande a distância entre os corpos"...

E já que falamos em ladroagem e em cleptomania, o CB de ontem noticiou que um artista aqui da cidade chamado Lucas Castor teve sua exposição fotográfica furtada. A exposição, com um  título até bem sugestivo, inclusive para os ladrões: BRASÍLIA EXPANDE A DISTÂNCIA ENTRE OS CORPOS, esteve montada por apenas algumas horas nuns paredões próximos à rodoviária do plano piloto e simplesmente, como por encanto, ou como se tivesse sido abduzida, desapareceu. Ninguém visitou, ninguém viu, ninguém sabe de nada. 

Ainda sobre o fictício e imaginário orgasmo feminino...



























As mil e uma rotas até o orgasmo feminino, contadas por mulheres (Artigo de autoria de Rita Abundancia publicado no El Pais, de ontem).  


“Imagine que minha vagina é o mapa de Manhattan. Se estou deitada sobre as minhas costas, o Central Park poderia ser uma pista de aterrissagem e o Carnegie Hall seria meu clitóris. Descendo da 57 à 42, e entre a 10ª Avenida e a Lexington, estariam os bairros de mais categoria. A Times Square, claro, seria o meu traseiro. E deveríamos chegar a um acordo antes de ir até ali.” Essa comparação entre os genitais femininos e a geografia da zona mais cinematográfica da Grande Maçã tem como objetivo explicar, como um mapa do tesouro, um dos muitos caminhos para chegar ao orgasmo, no blog How to make me come, do Tumblr. Seu objetivo é compilar depoimentos anônimos de mulheres sobre o que as estimula, os botões que é preciso apertar para que se produza a ansiada descarga, ou como encontrar o detonador que de cara faça saltar pelos ares a escondida caverna do prazer.  Assim, a uma primeira vista, pode-se pensar que, muito bem, o orgasmo feminino, bem menos mecânico que o masculino e muito mais fugidio, sempre abriu caminho para muita literatura. Cada mulher, e também cada homem, é um mundo com sua trajetória pessoal, intransferível e exclusiva para chegar ao clímax. Interessante para quem a possua e para seu parceiro, mas nada além disso. No entanto, uma revisão das postagens nesse blog é uma interessante compilação, com testemunhos de primeira mão, sobre o que as mulheres gostam na cama ou, se se quer ver de um aspecto negativo –nisso de que o positivismo anda muito malvisto–, um manual sobre o que é preciso fazer para que uma mulher chegue ao orgasmo, que todo tonto desajeitado deveria ler. O post número um já é toda uma declaração de intenções e cumpre como ninguém a regra de “o bom, se for breve, é duas vezes bom’, já que se limita a uma só frase: “Não é só lamber”. Uma única norma que, para muitos, serviria já como exercício a realizar ao longo de toda sua existência.

Outro dos posts mais criativos deste blog, o número 13, busca traçar uma rota interativa para encontrar o misterioso ponto G e começa assim: “gentil guerreiro, eu te elogio por tua valentia, força e resistência em cada tentativa de embarcar no que a maioria consideraria uma desafortunada missão porque, pelo que sei, minha vagina é um aterrorizante e misterioso lugar. Muitos entraram nela. Poucos voltaram.... com vida”.



"Uma mulher pode se sentir segura em seu dia-a-dia e depois, nos momentos privados e sexuais, pode não ser assim. Então, ela vê a si mesma como uma impostora e começa a pensar: talvez eu não tenha tanta confiança em mim mesma como acreditava"

A ideia de começar esse blog, como explicou a The Cut sua autora, Sylvia, uma escritora norte-americana de 27 anos, que também deseja permanecer no anonimato, cresceu depois de contar uma experiência sexual a uma amiga e falar sinceramente com ela como nunca antes havia feito com ninguém . “Quando a deixei, eu me senti positivamente mexida. Embora nos conhecêssemos fazia anos, embora tivéssemos falado muito de sexo, me dei conta de que nunca havia tratado do tema com esse grau de especificidade e vulnerabilidade. Se me sentia assim depois de ter falado honestamente de orgasmos femininos com uma mulher, queria ter esse tipo de conversa em grande escala, e para isso precisava de mais mulheres.”
O gênero feminino tem uma longa tradição de séculos escutando o que é sexualmente adequado, ou não, para uma dama. Por isso, as sensações das mulheres não podem estar totalmente desligadas do que se passa fora do quarto. O título do post 52 do blog é todo um resumo do papel que sempre coube a elas representar: o de fornecedoras de prazer, antes de demandantes. “Se cada mulher ao longo da história da humanidade tivesse pedido a seu par que lhe desse um orgasmo, provavelmente seríamos agora um gênero que teria a capacidade de ter orgasmos em cada relação.” De fato, fisiologicamente estamos preparadas, mas as estatísticas demonstram que não chegamos a desenvolver todo nosso potencial como deveríamos. Um estudo do Instituto Kinsey, da Universidade Indiana, publicado no ano passado no The Journal of Sexual Medicine, revelava que o gênero e a orientação sexual contam, e muito, na hora de obter prazer. Enquanto os homens alcançam o orgasmo em 85,5% de seus encontros, a média nas mulheres cai até 62,9%. As diferentes orientações sexuais tampouco têm uma grande variação entre os homens: com uma média de orgasmos de 85,5% para heterossexuais, 84,7% para homossexuais e 77,6% para bissexuais. No entanto, as cifras flutuam mais para elas: com 74,7% para as lésbicas, 61,6% para as hetero e 58% para as bissexuais.
Essas diferenças já bastariam para justificar a existência de How to make me come, mas sua autora se aprofundou mais, no artigo de The Cut, sobre o motivo da importância de gastar o valioso tempo falando de como as mulheres conseguem o prazer. “Acredito que seja um tema que mereça uma discussão, não só porque o orgasmo feminino pode ser, às vezes, algo difícil de conseguir, mas porque quando falamos dele há implicações mais profundas (...). Tenho pensado muito sobre como o modo como nós temos sexo tem um certo paralelismo com as implicações sociais e políticas que ser mulher implicam. Se você não pode expressar o que quer em um momento em que está excitada, conectada com alguém e sendo desejada, então tampouco poderá dizer o que quiser fora da cama, no mundo. À medida que me metia mais nesse projeto, comecei a contemplar o reverso. Uma mulher pode se sentir segura em seu dia-a-dia e depois, nos momentos privados e sexuais, pode não ser assim. Então, ela vê a si mesma como uma impostora e começa a pensar: talvez eu não tenha tanta confiança em mim mesma como acreditava. Talvez ainda não saiba como falar do que sinto. Talvez não seja realmente corajosa, ou somente sou quando se trata de algo fácil e que me convém.”
Sobre as implicações sociais de ser mulher, ou o panorama do “sexualmente correto” que nos traçaram até a saciedade, tratam –provavelmente sem ter a intenção–dois dos posts do blog, que se intitulam. “Fingi que não estava gozando porque meu cérebro de garota de 17 anos me dizia que era muito raro que gozasse tão rápido” e “Se um garoto chegasse a descobrir as coisas que me estimulam, provavelmente sairia correndo”.
O blog contempla um amplo repertório de experiências. Está lá a de uma mulher que só teve um orgasmo –vaginal– em sua vida. Com seu namorado no sofá da sala. Está a de outra que pede aos gritos no título de seu artigo: “Faça o incorreto. Pelo amor de Deus, faça o incorreto”. Outra autora confessa que demora 45 minutos para começar a ficar excitada e que a masturbação é para ela “um fodido jogo mental zen”; a que pede que a amem “como Sting ama Trudy”, a que não pode gozar toda vez que seu colega de apartamento está em casa e a que dinamita o estereótipo que diz que as mulheres buscam segurança, por isso é mais complicado para elas chegar ao clímax no sexo casual. Já no título de sua reflexão, uma mulher discorda. “Quando se trata de sexo, é preciso ir caso a caso. Eu tive relações incríveis com homens de uma só noite e sexo ruim com um namorado de muitos anos.”



“Quando se trata de sexo, é preciso ir caso a caso. Eu tive relações incríveis com homens de uma só noite e sexo ruim com um namorado de muitos anos.”

Quanto The Cut pergunta à autora do blog se acredita que seu projeto ajudará a desmistificar o orgasmo feminino, Sylvia responde: “De modo algum, acredito que em vez disso este blog pode ter um efeito contrário, mistificar ainda mais o tema, porque revela que há milhões de respostas diferentes para a mesma pergunta. Mas há algo deste projeto que pode servir a todo o mundo: é que fazer com que “eu goze” é diferente de fazer com que “ela goze”.
Se nossas fisionomias não apresentam nenhum defeito e estamos biologicamente preparadas para o orgasmo, como os homens, então, por que para muitas mulheres custa tanto alcançar a petite mort? Segundo Francisca Molero, sexóloga, ginecologista, diretora do Institut Clinic de Sexologia de Barcelona e do Instituto Iberoamericano de Sexologia, “há vários fatores. Para começar, um desconhecimento pela mulher de sua própria anatomia, que tem sido controlado do ponto de vista social. O órgão genital masculino é visível, manipulável e sofre modificações ao longo do dia, mas o da mulher está oculto, precisa ser descoberto, e a aprendizagem foi historicamente negada por questões morais, por isso muitas mulheres não sabem muito bem como se estimularem. Outras, por sua vez, embora fisiologicamente tenham orgasmos, são incapazes de reconhecê-los. Ou seja, seu corpo chegou ao clímax, mas seu cérebro não é capaz de identificar isso. A causa é o desconhecimento do que realmente é um orgasmo, ou por falsas expectativas. O cinema, os amigos, a sociedade inteira, pintaram um retrato ideal do que significa o prazer sexual supremo e nós acreditamos que nossas experiências não estão à altura, não têm a qualidade necessária para serem classificadas nesse compartimento”. Existem também, na avaliação de Molero, pequenas diferenças anatômicas que podem influir na maior facilidade para se conectar com o prazer, embora em um grau mínimo, como “a distância entre o clitóris e a vagina. Se ela for menor, há maior facilidade de estimulação do clitóris com a penetração. E a resposta sexual, que também pode variar com a idade, ao modificar-se o sistema endócrino, hormonal e vascular. Assim sendo, uma jovem deveria ter mais facilidade para chegar ao clímax, embora a boa notícia para as mais velhas seja que a experiência e a cumplicidade corporal com o parceiro podem suprir os pequenos inconvenientes da passagem dos anos”. Segundo Molero, “os exercícios de Kegel, realizados ao mesmo tempo que uma fantasia com suas preferências eróticas, são também outra fórmula para se aproximar do clímax”.
Como comentava a autora deste blog à revista Mic.com, “o que How to make me come prova é que as mulheres simulam orgasmos, os homens assumem que as mulheres estão tendo orgasmo e ambas as partes estão assustadas demais para falar honestamente do assunto”.
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Para incrementar e concluir, agrego um pensamento de Campos de Carvalho: 
"Às vezes copulava-se na própria terra, um buraco cavado com os dedos, o indicador ou o médio, os dois, conforme o diâmetro: o diabo era a sensação de incesto que não se podia evitar: a tal da mãe pátria..."

O racismo de Fernando Pessoa... (Publicado no ZERO HORA de ontem.../

Declarações racistas de Fernando Pessoa reacendem a discussão sobre a relação entre os artistas e suas obras (Por Jeferson Tenório*)

Declarações racistas de Fernando Pessoa reacendem a discussão sobre a relação entre os artistas e suas obras Ver Descrição/Ver Descrição
*Mestre em literaturas luso-africanas pela UFRGS. Escritor, autor do romance O Beijo na Parede
Causou estarrecimento em muita gente a descoberta de um texto racista escrito pelo poeta Fernando Pessoa (1888 – 1935). A discussão correu as redes sociais depois que o escritor Antonio Carlos Secchin reproduziu um trecho em sua página no Facebook. O estarrecimento certamente ficou por conta da contundência das frases e também porque Fernando Pessoa ocupa um imaginário quase etéreo e mítico dentro da cultura ocidental contemporânea. Para nós, hoje, é difícil aceitar que um artista do calibre do poeta português, que simplesmente reescreveu liricamente a empreitada lusitana, criou complexos heterônimos e se tornou um dos pilares da literatura e da língua portuguesa, fosse capaz de escrever palavras tão assombrosas. 
Artista lança caixa com versões musicadas para poemas de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa tinha 28 anos quando escreveu que “a escravatura é lógica e legítima; um zulu ou um landim não representa coisa alguma de útil neste mundo.” Anos mais tarde, aos 32 anos, Pessoa escreveu que “a escravidão é lei da vida, e não há outra lei, porque esta tem que cumprir-se, sem revolta possível. Uns nascem escravos, e a outros a escravidão é dada.” E ainda próximo de completar 40 anos as ideias racistas ainda persistiam: “Ninguém ainda provou que a abolição da escravatura fosse um bem social (...) quem nos diz que a escravatura não seja uma lei natural da vida das sociedades sãs?”

Não bastasse isso, ainda encontramos em suas digressões opiniões estarrecedoras sobre as mulheres: “Em relação ao homem, o espírito feminino é mutilado e inferior. O verdadeiro pecado original, ingênito nos homens, é nascer de uma mulher”. Os excertos podem ser conferidos no livro Fernando Pessoa: Uma (Quase) Biografia, do pesquisador pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, que procurou fazer uma pesquisa bastante minuciosa sobre a vida do poeta.
Gostar de um artista não significa aderir a suas ideiasO argumento mais recorrente quando autores de séculos passados são julgados por suas posturas preconceituosas e racistas é o de que eles apenas seguiram o pensamento da época e que, portanto, devemos ser cautelosos ao julgarmos tais posturas. No entanto, o argumento pode ser contestado quando levamos em consideração a existência de outros intelectuais contemporâneos a Fernando Pessoa, como Eça de Queiroz, Machado de Assis, Castro Alves, Joaquim Nabuco, que se opunham à escravidão. Certamente, a visão anacrônica é importante porque nos auxilia a compreender os processos ideológicos de uma determinada época. E talvez aí esteja o nó da questão: o de acreditarmos que compreender é o mesmo que absolver ou desculpar.

Não é de hoje que autores assumem posições ideológicas condenáveis. Jorge Luis Borges (1899 – 1986) apoiava declaradamente a ditadura argentina, Ezra Pound (1885 – 1972) e Heidegger  (1889 – 1976) foram simpatizantes do nazismo. No Brasil, temos o já famigerado caso de Monteiro Lobato (1882 – 1948) e sua exaltação à Ku Klux Klan. Embora haja uma diferença bastante acentuada entre Pessoa e Lobato, já que em Lobato é possível percebermos marcas explícitas de racismo dentro da própria produção literária, diferentemente de Pessoa em que suas ideias racistas e misóginas aparecem em textos de opinião.
"Mein Kampf", o pérfido livro de Hitler, cai em domínio público
O caso de Fernando Pessoa reacende a discussão sobre a relação entre os escritores e suas obras e nos faz refletir o quanto suas biografias podem nos influenciar como leitores. Mesmo considerado um grande gênio pela crítica, não se pode esquecer que Fernando Pessoa é fruto de um país colonialista, ou seja, ele está inserido na longa tradição lusitana de exploração colonial. Por volta de 1920, quando Portugal já lamentava sua decadência e as sucessivas perdas das colônias, Fernando Pessoa começa a produzir a complexa e hermética obra poética Mensagem, que no fundo é uma exaltação da epopeia portuguesa, a exaltação das suas conquistas e glórias. Não há como negar que os versos estão imbuídos de um nacionalismo místico. Fazer uma relação direta entre este sentimento ufanista do poeta e suas afirmações racistas e misóginas pode soar superficial, mas é passível de reflexão.  

É doloroso descobrir que um ícone literário tenha um lado tão sombrio. Portanto, o nosso desafio como leitores é o de sabermos separar a obra do autor, pois antes de ser poeta, Fernando é humano com toda a complexidade e contradição que ele carrega. A indignação e a decepção com Fernando Pessoa é válida e necessária porque nos aproxima dele e nos afasta daquela figura mítica e sobrenatural, ao mesmo tempo em que resgata a humanidade que há em nós ao refutarmos seus textos racistas e misóginos. A discussão foi posta, mas não percamos de vista a literatura. Guimarães Rosa já cantava essa pedra: “Às vezes, quase sempre, um livro é maior que a gente.”

sábado, 16 de janeiro de 2016

Acredite se puder...

Dezenas de advogados brasileiros lançaram ontem um manifesto CONTRA o andamento da investigação e do Processo conhecido por Lava Jato, capitaneado pelo juiz paranaense Sergio Moro. A população aqui da urbe, principalmente a mais ignorante, está de queixo caído sem entender absolutamente nada...



Ladrões ou cleptômanos? (I)

"Há muitos anos calada, a “inteligência” brasileira voltou-se para um formalismo delirante, novidadeiro e pernóstico, e “esqueceu”o que a fazia calar". 

"Se diz que qualquer personalidade mundial, com dois dias de Brasil, já não seria mais levada a sério"
(Roberto Gomes)

No capítulo VI, página 195 do livro ATOS IMPULSIVOS de W. Stekel, publicado pela Editora Mestre JOU, São Paulo, (1968) está um tema de uma beleza e de uma importância fundamental para quem se interessa pelos mistérios neuróticos do ser e, principalmente, pelo descaramento desses dias de roubalheira generalizada, não apenas nas grandes empresas, mas no dia-a-dia em geral e até mesmo no carroceiro da esquina que vende aos otários que passam pequenos pedaços de carne inapropriada enfiados em estiletes de madeira. 
O titulo desse capitulo é: A raiz sexual da cleptomania. Transcrevo aqui alguns fragmentos do referido texto, apenas sobre as diferenças básicas entre o ladrão e o cleptômano, para que qualquer curioso e leigo no assunto também possa tentar compreender o que está acontecendo na política atual. Aliás, não é bizarro e suspeito que os antropólogos & os doutores da saúde mental ainda não tenham promovido nenhum estudo rigoroso que "esclareça" e que "explique" a corrupção generalizada que enfurece e despedaça o país? 

Escreve Stekel:
"O roubo não torna o ladrão feliz. Só lhe interessa o que foi roubado. A felicidade que o roubo lhe proporciona está em relação direta com o valor das peças que roubou; mas o cleptômano rouba pelo prazer de roubar. Busca a embriaguez do proibido (...).
Já vimos como o instinto de roubar é poderoso na criança e endossamos o ponto de vista de que, em todo adulto, persiste um resíduo desse instinto. (...)
O ladrão opera com frieza e reflexão. Calcula as possibilidades e vantagens e é capaz de amadurecer seu plano durante meses antes de levá-lo a cabo. O verdadeiro ladrão não se deixa levar por qualquer paixão. Para agir, necessita serenidade e sangue frio. Já, o cleptomaníaco ou cleptômano atua durante um estado de embriaguez afetiva, semelhante ao sonho; parece-se com o sonâmbulo. Está desassossegado, invadido por sentimentos de angústia e sente que qualquer coisa vai acontecer - exatamente como Hesse o descreve -; precisa de uma explosão (Gross), tem que se libertar de uma dolorosa tensão afetiva, realizando um ato. Atua sob o império de um impulso dominante, momentâneo ou permanente. O furto do cleptômano é um ato impulsivo. No cleptômano o intelecto é dominado, ao passo que, no ladrão comum, está a serviço do instinto. Também os cleptômanos podem calcular as possibilidades antes de realizar o ato e, em certas circunstâncias, cometem-no com muita habilidade, mas o ato se realiza num estado de sonho que exclui a reflexão. O indivíduo parece estar agindo sob o efeito do álcool. A reflexão é possível mas está muito atenuada. A embriaguez afetiva atua como qualquer outra intoxicação. O intelecto fica afastado ou  reduzido à sua menor expressão. Somente a afetividade predomina. O sujeito não leva em conta as consequências, as desvantagens, os perigos e os inconvenientes. Desaparece a sociedade, com as suas prescrições, suas leis e seus riscos, firmando-se apenas o desejo como expressão de um impulso todo-poderoso. O Cleptômano comporta-se como criança. (...) 
O enigma da cleptomania tem dado muito que fazer aos médicos (este texto foi escrito em alemão em 1922). Em muitos casos, era-lhes difícil determinar se estavam diante de um roubo vulgar ou de um caso de cleptomania, isto é, frente a um delito ou a uma enfermidade..." (deve ser preso ou internado?)