sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Todos os assassinos começam por lavar as mãos... (Paul Nizan)

O caso do senador boliviano (acusado de corrupção em seu pais) e que foi trazido clandestinamente para o Brasil por um diplomata brasileiro, mais o caso do deputado Donadon, preso na Papuda  (por corrupção), mas sem perder seu status de parlamentar, são mais grotescos que as façanhas de Pantagruel e são de fazer qualquer um ter uma síncope ou cair numa gargalhada interminável. Como é que alguém consegue viver sanamente neste típico ninho de ratos e de bandidos esclarecidos!? E olhem que estes são apenas os surrealismos do dia e os da pauta, pois há milhares de casos dessa natureza sendo gestados e florescendo pelo país afora. Há o da  campanha Criança Esperança, por exemplo, quando se sabe que a própria TV é uma escola de burrice, de atraso, de desesperança. Há a campanha irracional do Mc Donald's arrecadando fundos contra o câncer infantil, quando se sabe que as comidas que eles próprios enfiam guela abaixo do mundo infantil são um horror para o sistema imunológico de qualquer ser vivo. E há a idiotice das religiões que cobram um dízimo para nos salvar dos delírios, dos perigos e das paranóias que elas próprias inventaram... Quê mundo desvairado e vagabundo! 
A propósito, acabo de receber a proposta para assinar uma nova petição, agora para acabar com o voto secreto no Congresso. Sinceramente! Quem é que ainda tem saco para ouvir falar em petição, em voto secreto, em eleições e em democracia? Imaginem uma petição para fazer, por exemplo, que as mulheres de um determinado bordel deixem de usar batom ou DIU! Não teria serventia alguma. Com batom ou sem batom, com DIU ou sem DIU continuariam sendo as mesmas putas de sempre! 
Não é possível que o cérebro desse povo tenha sido lesado com tanta gravidade! E a desolação emocional das massas está tão evidente, que há gente encolerizada por aí, pensando até em gás Sarin e muitos outros, como eu, que só depositam alguma expectativa no pessoal do Black Bloc.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Ainda pré adolescente, fui enganado pela literatura e por David Nasser...


Os homens de minha geração (1949) com certeza leram ou ouviram falar de um pequeno livro publicado nos anos 60 e intitulado: Giselle, a espiã nua que abalou Paris. Esta foi praticamente minha primeira leitura erótica e talvez a leitura mais fraudulenta de todas. Daquela época, com a pólvora da guerra ainda levitando por sobre o mundo, até a semana passada, acreditava que o livro era um relato das histórias/memórias de Giselle Montfort, uma espiã sensual da Resistência Francesa que durante a II Guerra Mundial usava seu corpo para arrancar informações dos soldados alemães. Só que era tudo mentira. Tudo ficção engendrada por um jornalista libanês-brasileiro chamado David Nasser, um cara que vivia no Rio de Janeiro e que sequer conhecia Paris. Os textos saíram publicados inicialmente em capítulos no jornal Diário da Noite. Em função de seu enorme sucesso, logo o editaram em forma de livro de bolso, cuja vendagem nas bancas de jornais chegou a mais de meio milhão de exemplares. Confinada num cabaré, lembro que a tal Giselle fazia o diabo com seu corpo e com suas duas esplendorosas e poderosas coxas, não apenas com os chefões da Gestapo, mas principalmente com meu imaginário. Papou desde os soldados rasos e vagabundos até o velho Fuhrer e seu lacaio mais famoso o senhor Himmler. Como milhares de pré adolescentes e de adolescentes daquela época, lá no terceiro andar daquele casarão italiano, enquanto os tigres rugiam no Parque Nacional que ficava do outro lado da estrada, fiz viagens alucinantes com essa fictícia espiã escondida por debaixo de minhas cobertas. 
Mas o mais curioso dessa história, é que hoje, saber que foi tudo um truque comercial para alavancar um jornal que estava falindo, uma estória escrita por um mascate farsante que virou jornalista e depois compositor, e que mais tarde apoiou a ditadura militar.., por incrível que pareça, não altera em absolutamente nada as lembranças, os delírios e o frenesi daquela época. Fato intrigante, pois pode até insinuar e sugerir que mesmo nossos sentimentos e desejos mais "genuínos" e "verdadeiros" podem estar apoiados e sustentados sobre mentiras, sobre burlas e sobre ficções. 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Que pensaria o velho Hipócrates? (se é que existiu!)

Ontem recebi uma singela cartinha da Universidade convidando-me a participar de um grupo preparatório para a aposentadoria. A sensação foi a mesma que se o crematório da cidade estivesse me convidando para, despretensiosamente, conhecer  o ambiente, os horários, a tabela de preços e o mecanismo dos fornos... E isto que eu nunca fui lá um fanático pela labuta e que nunca acreditei que o trabalho pudesse dignificar alguém. Imaginem então quando essa carta chega a um viciado nas 40 horas de servidão, a um dos que os esnobes denominam workaholic... 
Mas este não é o assunto principal das manchetes dos jornais. O que está rendendo muita discussão e muita perplexidade é a chegada dos médicos estrangeiros para atuarem no país. A rejeição a esse projeto e o comportamento dos médicos nativos e das associações que os representam tem sido além de pueril, de uma arrogância inacreditável.  Independente das intenções governamentais com a contratação dos tais forasteiros, e independente das razões técnico-mercantilistas que podem estar assustando nossos médicos, tentar inviabilizar a vinda dos "colegas", conhecendo a situação precária e miserável da saúde na grande maioria do país é, no mínimo, uma estupidez e o escancaramento de um secreto mau caratismo. Mas, é compreensível. Imaginem se ao invés de médicos estivessem chegando 4 mil astrólogos! 4 mil padres! 4 mil batedores de carteira!  4 mil advogados! 4 mil políticos! 4 mil prostitutas! É evidente que causaria um caos e uma insegurança semelhante também naquelas confrarias.
 Claro que um bom ombudsman recomendaria aos nossos doutores que se contenham, que lembrem, antes de tudo, que só na área da saúde mental, por exemplo, o país tem 23 milhões de doentes mentais catalogados e outros 23 milhões soltos por aí sem assistência ou com uma assistência pra lá de vagabunda e precária. E que 300 mil ou mais morrem por ano de doenças cárdio-vasculares. Que o país convive com dois milhões de cadáveres, todos os anos, relacionados a doenças ocupacionais. Que a obesidade já é epidêmica. Que o consumo de açúcar, de sal e de álcool fomentado por comerciantes analfabetos, tornou-se literalmente uma fábrica de estropiados e de doentes. Sem falar da malária, da hanseníase, da tuberculose, da desnutrição e de dezenas de outras doenças que ainda nem sequer estão catalogadas e que poderiam muito bem ser facilmente prevenidas e evitadas. Que lembrem que em cada casa de nossa periferia (isto, aqui ao redor do Palácio governamental, imaginem por esses cafundós afora) existem quatro ou cinco doentes crônicos ou que caminham para tal e que para terem  acesso a um médico precisam experimentar quase os horrores de um Gólgota nas filas da madrugada. Que o saneamento básico ainda não existe na grande maioria das aglomerações nacionais e que a água que se consome é inadequada e que a cólera existe por aí mais do que se pensa. Que os cozinheiros dos restaurantes onde eles comem sequer se lavam as mãos! Que os produtos agrícolas são descaradamente vendidos em qualquer mercado com quantidades de hormônios e de venenos que nenhuma saúde e que nenhum corpo tolera. Que há leishmaniose para todos os lados e que, apesar de nossas unhas bem tratadas não conseguimos sequer dar conta daquele mosquito que tem um nome até poético: Aedes Aegypti. E mais, que governantes e médicos maníacos só querem saber de construir hospitais! E que o grande barato e que o grande negócio continua sendo a compra de tomógrafos computadorizados! E que, por incrível que pareça, todo mundo, desde o mendigo da esquina até o suplente de senador quer chegar a ter um Sírio-Libanês em sua agenda e em sua vida! Ora!, que babaquice!, e que terrível mal entendido tem se encapsulado na mente dessa gente! 
Aliás, estão até dizendo por aí que, na última década, o Sírio-Libanês tem recuperado mais bandidos que todas nossas inúteis penitenciárias juntas!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Contra todas as britadeiras e contra todas as maquitas do mundo...


[A soma de barulho que uma pessoa 
pode suportar está na razão inversa de 
sua capacidade mental...]
A. Schopenhauer

Duvido que exista por aí alguém que não dedique o mais profundo de seu ódio, em primeiro lugar à britadeira e em segundo à maquita. Como é possível que 2283 anos depois de Epicuro, que 1948 anos após Sêneca e que passados 180 anos da Revolução Industrial ainda existam essas duas máquinas terríveis, barulhentas, turbulentas, estrondosas, ensurdecedoras e enlouquecedoras? E prestem atenção com que sadismo o sujeito que as está manejando aperta o botão de ignição quando vê você se aproximando desconfiado. Finge que a obra está parada, que a peãozada saiu para o almoço, que não há eletricidade no momento etc., e quando percebe que você já desativou seus instintos pressiona o ON.  
Se a maquita, além do ruído infernal produz lascas de cerâmica e uma poeira microscópica que vai diretamente alojar-se nos brônquios e nos alvéolos da cidade inteira, a britadeira faz tremer os ossos e as estruturas dos prédios, lança cacos de meio-fio, de cimento e de pedras para todos os lados e praticamente implode os tímpanos e os nervos auditivos de qualquer terrestre.  
E veja que ironia: só quando escrevi esta última frase é que me dei conta que dentro de nossos ouvidos existem três ossos que se chamam, sabe como? Martelo, bigorna e estribo... Putz! Sejamos realistas: tanto nosso corpo como a modernidade são fraudes e não há salvação!   Ah!, quer saber o que é a modernidade? "É o  momento em que toda puta pode dizer: eu trabalho e todo trabalhador: eu sou uma puta!"

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

200 milhões de brasileiros.... et moi... et moi... et moi...

Enquanto os ideólogos, os marqueteiros e os administradores das cidades  perdiam seu tempo com reuniões estéreis, intermináveis e inúteis a turba se esfregava, sarreava, copulava e se engravidava. Resultado! Rebanhos aflitos e filas para todos os lados.  Os estacionamentos estão repletos, há carros até em cima das árvores. Nas bibliotecas não cabe mais ninguém. Os hospitais têm macas e doentes até nos banheiros. Os restaurantes parecem velórios de pai de santo. Há filas para abastecer, para pagar impostos, para comprar remédios, para fazer passaporte, para marcar consultas, para entrar nos ônibus e nos elevadores, para ir à toalete, para  entrar nos motéis, para comungar-se, para ser velado nas capelas do Campo da Esperança e para absolutamente tudo. E não são filinhas. São filas indianas que dobram as esquinas e que não acabam. Todo mundo lá, com cara de vaca mal humorada, ouvindo passivamente um otário qualquer mandando dar um passinho para o lado ou um passinho para trás... Que atestado de idiotice para a espécie! Que estranha obsessão de, como ratos ou gafanhotos, superpovoar e pisotear o planeta! E ninguém dá um pio sobre controle de natalidade. É pecado, tabu, desumanidade, politicamente incorreto! Nos anos 70, mesmo timidamente, se falava sobre o assunto, até que a Santa Madre Igreja resolveu obrigar os mocorongos de turno a substituir a ideia de "controle de natalidade" pela de "planejamento familiar". E aí.., irmandade universal.., o mundo ficou inflacionado do jeito que está.  
Se por um lado, o crescimento vertiginoso do homossexualismo (tanto masculino como feminino) nos da uma esperança de que haja um descenso nas estatísticas e taxas de natalidade, por outro, a ignorância generalizada e o fácil acesso ao viagra representam perigos reais e ameaças concretas ao bom senso e ao oxigênio do mundo...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

DO HOMEM... essa besta sanguinária!

Não posso negar que tenho a maior simpatia por aqueles que pretendem defender incondicionalmente aos animais, principalmente por aqueles que se opõem aos sacrifícios dos bichos em rituais religiosos. Entretanto.., porém.., de certa maneira.., também não nego que percebo nesta luta algo de ingenuidade, de singeleza, de ilusão e até de inutilidade, tendo em vista a carnificina sistemática que nos cerca. 
Não nego que acho essa sangueira irremediável, que uma voz insistente vinda diariamente dos açougues e dos matadouros me convence: de nada adianta salvar um bode agonizante e com a garganta cortada numa esquina de macumba, se no mesmo instante, uma centena deles por aqui está sendo formal e oficialmente degolada... De nada adianta salvar a galinha ou o galo preto que está ardendo em chamas na porta de um cemitério ou sobre uma tumba, se na mesma hora milhares ou até milhões deles estão sendo degolados sob encomenda ali nas granjas...
Realmente não vejo diferença alguma entre matar em sacrifício e matar de forma industrial, ambas são abomináveis, covardes, nojentas e despossuídas de qualquer vestígio de dignidade. Mas sei, tenho consciência o bastante para saber que nossa condição é precária, irremediavelmente ambígua e terrível. Vejam que situação paradoxal, para não dizer esquizoide: a mesma pessoa que se derrete em afetos e em carinhos quando passo com meu cachorro, é a mesma que meia hora depois está encomendando ao garçom um filhote de ovelha ao forno, um frango no espeto ou uma costela de leitoa na brasa. Os médicos, sem cerimônias, nos recomendam aumentar a ingestão de proteínas animais; o padre que fala em Santíssima Trindade, em jejum Pascal, em corpo disto e corpo daquilo, interrompe a missa para convidar os beatos a uma churrascada dominical; e a delicada velhinha do quiosque da quadra que parece a mais zen das criaturas, serve um prato feito com puro sangue de porco... 
Esperar o quê dessa gente? Dessa gente que não percebe sequer que a nossa carne é a parte animal de nosso ser!
Dessa gente que tem o cinismo de sair por aí falando em espiritualidade, em salvação da alma, em ética, em humanismo, em teologia e em solidariedade? Como conviver com essa turba que, com os lábios ainda sangrantes, está sempre cacarejando sobre as Belezas da criação, sobre a transcendência, sobre o Reino dos céus e até mesmo sobre a metempsicose? E tudo, segundo eles, com aval divino.  Quanta bufoneria e quanta patifaria! E que aterrorizante essa submissão aos caprichos e aos desejos das tripas! 
Qualquer divindade, qualquer santidade, qualquer demônio ou demiurgo que, como reconhecimento, nos exigisse o sacrifício de qualquer outro ser, fosse de uma ameba ou de um coelho, seria um monstro desprezível e deveria ouvir nossa imediata recusa. 
E é terrível e melancólico ver que o discurso dominante se transforma em discurso dominador!, mesmo sendo pobre, reacionário, desvalido e muquifário. E é quase cômico ver um mundo com o ventre e com o baixo-ventre proeminentes falando em compaixão, em piedade e até fazendo poesia com meio quilo de costela se decompondo no meio das entranhas. A propósito, parafraseando a Adorno, que achava um absurdo seguir fazendo poesia depois de Auschwitz, pergunto: como é possível tentar poetizar e romantizar o mundo com os dentes ainda salpicados de fiapos, de banhas e de sangue?

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

EIS AÍ O FIM DE TUDO QUE PENSÁVAMOS SER SEXO...


Desde que se tem notícias do mundo, sabe-se que nossa espécie sempre procurou livrar-se dos pelos, principalmente daqueles que emergem nas regiões mais sombrias e recônditas do corpo, não sei se para estabelecer uma fronteira bem visível entre ela e os outros animais, se por higiene ou simplesmente porque naquele esquisito mundo de sombras e de solidão, já era fashion. Todo mundo sabe que inclusive Cleópatra, a grande Cleópatra, burlando o projeto do deus Seth, que havia colocado pelos ali para amortizar as estocadas da cópula, já usava cera e outros recursos então vigentes para ficar completamente lisa e pelada como uma rã.
Atualmente, a chamada "depilação intima", bem mais perversa e sofisticada que na época da rainha egípcia, tornou-se quase uma obsessão e muito mais para fins de sedução e de fantasias sexuais do que para outra coisa, principalmente entre neófitas e mulheres já adultas. Hoje, qualquer salão de beleza por aí, seja de luxo ou de fundo de quintal oferece as mais variadas formas e formatos de depilação feminina. Existe a que retira completamente os pelos, a que desenha uma chave, uma borboleta, uma asa delta, uma estrela de David, a inicial do nome do amante, o bigodinho de Hitler, o olho da Barbie, a barbicha de Rasputin, o coelhinho da playboy e assim por diante. Segundo as depiladoras, a vagina completamente lisa é a mais pedida. Será que é por que ela possibilita (ao) ou (à) amante alguma fantasia pedófila? Há quem ache tudo isso pra lá de bizarro e pra lá de ridículo, quase sempre um sintoma de que algo não vai muito bem com o próprio desejo, com os próprios buracos e muito menos com o próprio gozo. Seria uma espécie de submissão histérico-infantil para distrair, agradar, não assustar e satisfazer as taras de um mundo e de um macho também problemático, insatisfeito e também infantilizado? Sabe-se que não são poucos os homens que convivem com fobias a respeito da dita cuja e que  em algumas culturas (ou sub-culturas), quando as mães queriam amedrontar as crianças lhe mostravam a vulva cabeluda. Claro que, apesar de não serem muitos, ainda existem também aqueles homens românticos que preferem e que alucinam por xotas completamente cobertas, aquele triângulo quase azul, mágico, hipnótico e encaracolado que se esparrama por todo o monte de Venus (mons pubis).., signo maior de todos os excitantes e de todos os mistérios.., para não dizer de todas as doces ilusões... A própria correspondente que me enviou a matéria fez o seguinte comentário: eis aí o fim de tudo que pensávamos ser sexo!

domingo, 11 de agosto de 2013

Vai um drone aí? Ou: o mundo inteiro como uma paródia de Guantánamo...

Você aí, com sua pobre pistola clandestina de doze tiros enfiada nas cuecas e que continua fazendo a pantomima de libertário e de revolucionário, e que não quer, de maneira nenhuma acreditar que está tudo absolutamente tudo dominado pelo imperialismo, pela escória e pelo dinheiro, preste atenção. Um drone pode despedaçar-te a qualquer momento, mesmo que estejas com um escapulário ou com um patuá no pescoço, seja na saída do sindicato, da igreja, do motel, do trabalho, na mesa de um boteco, se pavoneando diante do computador ou até mesmo na privada. 
Enquanto o mundo ficou fazendo poesia, discutindo questões de gênero, rebolando nos fandangos, tomando cachaça, preparando a volta de cristo, discutindo critica literária, se é mais nobre ser ateu ou panteísta, brincando de facebook, refletindo sobre a cesta básica, sobre a reforma política, sobre os médicos cubanos, se o Renan fica ou se sai, se o Sarney morre ou continua vivo, se a eutanásia e a maconha devem ser legalizadas ou não, se o Brizola e o Ulisses ressuscitarão, se os presídios têm vagas para os mensaleiros, se fecham ou se ampliam o inferno de Guantánamo, se a Dilma caiu um ponto ou subiu dois etc., os gringos se fecharam nos laboratórios e nas fábricas e engendraram essa máquina invisível, mortal e imbativel que lhes garantirá mais dois séculos no trono planetário. Com esse abutre sem sangue e sem coração retiram do cenário e do tabuleiro do mundo, sem grandes alardes, a quem bem entenderem, seja lá nos desertos e cafundós do Afganistão, lá no porto de Áden ou aqui no meio do fumegante cerrado. 
Independente dos argumentos e dos protocolos ideológicos ou dos sacramentos humanitários de cada um, observem como há algo de verdadeiramente demoníaco nessa máquina. Desculpem, disse demoníaco apenas por vício de linguagem, quis dizer algo de verdadeiramente divino nessa geringonça.  Sim, de divino,  uma vez que a história tem nos demonstrado que até em termos de guerras e de chacinas, "deus" esteve sempre do lado dos mais ricos, dos mais sujos e dos mais poderosos...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Fragmento de livro que hiberna no prelo... (pp.42,43)


2



[...Tem nos olhos aquela sombra de piedade 
tão vulgar no olhar dos cães sonhadores, dos rafeiros 
sossegados, porque todos que 
a compõem têm alguma coisa de 
cães: - a humildade encolhida com que levam 
os pontapés do Destino, seu Senhor...]
AFS


"... O ônibus acaba de estacionar. No volante um homem que apesar de bem alimentado parece ter saído da cripta de San Lázaro ou de algum dos cemitérios medievais. Somos os últimos a desocupar o aeroporto que serve tanto a Marseille como a Aix-en-Provence. Descemos para a cidade. A mal falada, a maldita, a “capital do crime”, cidade com dois mil e tantos anos de má reputação...
Esse momento é sempre transcendente para alguém iniciado nos segredos da errância e em especial para mim. Entre outros motivos, Marseille me agrada por não ser como as outras, cheia de monumentos hipócritas a soldados, a reis, a santos, a juízes a meretrizes, a imperadores... Chegaram, para que se entenda, até a destruir uma velha igreja, a Saint-Martin, para construir uma estrada sobre suas ruínas. Me agrada também, exatamente por sua má fama e por ter sido sempre, pelo menos no imaginário popular, um ninho de gangsters violentos e heréticos. E depois, como não ter interesse por uma cidade que já existia antes da epidemia cristã?, que tem mais de 26 séculos, que ainda conserva variados signos do paganismo, que foi devidamente mencionada nada mais nada menos que por Heródoto, Aristóteles, Cícero, Victor Hugo, e Emil Zola entre outras vacas sagradas de nossa história? Quem é que não leu O conde de Monte Cristo? E além disso, é uma cidade de porto, igual a Barcelona, a Atenas, a Veneza, a antiga Corinto... O que existe de mais profano que um porto? Todos os vícios, todos os crimes, as bandalheiras, os segredos e as bizarrices brotam nos ancoradouros e nas docas. Ali florescem todas as ervas do mal, todos os licores mais tóxicos e as desilusões tanto de quem chega como de quem parte. Vale de lágrimas! Contrabando de sentimentos! Ponto zero de todas as deserções. Pensem no porto de Hamburgo, no de Amsterdam, no de Hong Kong... Promiscuidade de sangue e de fluídos, papéis apócrifos, baús de misérias individualizadas, mutação de almas e de cabeças, Babilônia de imigrantes, herânça greco-romana, habitat ideal para a peste, para os marginalizados, os desertores, os apátridas, as pulgas, os ratos, bactérias... mosaico incestuoso de costumes, crimes crapulosos, negócios sórdidos, transmissões de doenças sanguíneas, criadouro de gatos, epidemias, vírus, línguas, restos de comida e cardumes de mulheres de trinta euros. O pirata, o marinheiro, o contrabandista, o rufião, o mercador, o turista, o sifilítico, todos mancomunados com o mar, essa porta para o mundo, para o inferno e para o nada... onde sempre há um padre cínico benzendo as imundicies, um advogado explorando um psicopata e um “louco” amarrado num convés ou num camarote, demente de quem a família quer se ver livre, doente mental que está sendo colocado numa Nave e despachado para outro mundo em busca de uma nova jaula, de outro curandeiro ou de uma daquelas purificações místicas que jamais acontecem... E há sempre também uma ou mais mulheres visivelmente deprimidas e encostadas na altura da proa, com os olhos cravados nas águas azuis do Mediterrâneo enquanto os imensos navios esquentam os motores. Qualquer um percebe que estão mais do que vulneráveis ao suicídio. Em que momento saltarão? 
Não foi por acaso que até o ilustre Marques de Sade esteve por Marseille em 1772. Dizem que foi processado por três ou quatro prostitutas por sodomia, flagelações e por tê-las obrigado a ingerir grandes quantidades de cantárida, uma poção feita com asas de besouros africanos que tinha poder afrodisíaco, uma espécie de viagra da época. Foi condenado a morte, juntamente com seu criado, um tal Latour. Mas fugiram para a Itália. Foram executados simbolicamente ali em Aix-en Provence... Terra das imensas plantações de lavanda e cidade natal do pintor Cézanne, cuja obra, excepto Os jogadores de cartas, não me agrada para nada..."