Agora
que os mortos já foram enterrados, que a missa eclética de sétimo dia já foi celebrada e
que os horrores da tragédia vão passando para o arquivo inútil da história,
entra em cena o samba do criolo doido, ou melhor, o (xotes dos gringos desvairados) e a
miséria do processo investigativo.
A
responsabilidade é do prefeito?! Ou melhor, de sua equipe! Mas, e os bombeiros?
De quem é a real responsabilidade? E os fiscais? E a saúde pública? E os donos?
Mas a culpa não seria dos clientes? Não, isso não! A responsabilidade foi dos
músicos! Ou do demônio? Dos leões-de-chácara da boate! Do padre que não foi benzer o local! Da Lei das Probalidades! Da
bíblia que não previu a catástrofe e até mesmo de deus que poderia ter poupado
tanto sofrimento! Ou não? Onde está o alvará? Ora, mas este é falsificado! E a licença? Ah, a Secretaria estava sem papel... E as
portas de segurança, e os cadeados, e os extintores de fogo? Mas, e Nietzsche! E as bençãos do Padre Marcelo! Não havia extintores de fogo, mas havia extintores de vidas! Não é a mesma coisa, doutor!? Vamos investigar, doa em quem doer... Diz o governador, que já foi ministro e que ninguém sabe o que poderá ser no porvir... Conivências e subcontratos para todos os lados!
Casas e casos de tolerância! Quem são os donos? Mas esses já tinham passagem
pela justiça! Quem prescreu-lhes o habeas corpus? Tudo era para lavar dinheiro! Ah bom! Mas e a polícia? E o Papa?
O que é afinal uma boate? Uma boate de isopor? E a comunidade o ano inteiro com o rosário entre os dedos? Foi uma fatalidade!
Obra do destino! Deus quis assim! Mas por quê deus desejaria assassinar quase
300 adolescentes? E a Santa Maria, por quê não lançou pelo menos um alerta? Lágrimas!
Chavões moralistas, socos na parede. Os joelhos calejados! E o governador?
Vamos indenizar os familiares das vítimas! Ora, mas isto não é mais uma forma
de prostituir ainda mais a desgraça! É evidente que não se chegará a nada!
Parole! Teatro! Festival de alcaguetismo!
Nenhuma novidade! Vivemos mergulhados num universo sucateado. Faça um teste:
abra o catálogo telefônico ao azar e escolha um endereço, uma casa, uma
empresa, uma profissão... Tudo
irregular! Uma ala foi agregada ao imóvel fora do planejamento, os documentos
estão sob judice. Falta isto ou falta aquilo! O próprio dono foi registrado
dois meses depois de nascido, o sobrenome saiu errado, e não pode ser corrigido
porque o juiz da época não tinha legitimidade... Além disso, tocaram fogo no
cartório. Havia um registro na paróquia, mas o padre foi preso por pedofilia e
ninguém sabe mais onde está o arquivo. Dizem que o dito cujo foi mandado para
um seminário porquê seu pai, bêbado e violento, ameaçou matar não só a ele, mas
a seus doze irmão, todos aliás, nascidos contra a vontade da mãe, já que parte
das pílulas eram falsificadas... A farmácia que as comercializava estava no
nome de um farmacêutico laranja...
Quando
levavam o padre para a prisão o carro sucateado da polícia chocou-se com um
ônibus clandestino, cujo motorista não era habilitado. Na discussão o policial
sacou uma arma (sem registro) para intimidá-lo, mas acabou acidentalmente dando-lhe um tiro na
cabeça. Ninguém apareceu para reconhecer o corpo do motorista... E o policial
ainda está solto...
Enfim,
tudo isso sugere que fazemos parte de uma tribo onde quase ninguém sabe sequer, quem é, realmente,
seu avô... e também nos lembra o que escreveu Wilson Lins: “A terra se vinga
do homem servindo-se do próprio homem como instrumento de vingança".
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