terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

CURITIBA... 43 anos depois...


Para muita gente esclarecida o que existe de melhor aqui em Curitiba ainda é a Confeitaria das famílias, com suas três portas brancas e seu salão de chá, instalada na Rua XV, 374, e fundada em 1945, pelo espanhol Jesus Alvarez Terzado. Uma xícara de chá de hortelã com um strudel de maçã, lá pelas 17:30, pode ser a penúltima maravilha do mundo...
Cada vez que venho para cá me surpreendo caminhando pelas velhas rotas de outrora, a cabeça no prumo, atento a todos os caminhantes, mas meio temeroso de, de repente, deparar-me com um dos amigos daqueles tempos vindo cambaleante pela faixa dos cegos, meio demente, as mãos trêmulas... Ou então, uma daquelas felizes adolescentes dos cursos preparatórios atravessando a faixa, agora com seus 100 quilos, tateando o mundo com uma bengala de prata...
Fui à Biblioteca Municipal doar um livro, mas estava fechada. Greve dos vigilantes! Sorte que uma bondosa senhora o recebeu pela brecha da porta e até ditou-me a dedicatória que deveria fazer... Notem como as bibliotecas estão sempre em greve! temos alergia a livros! O único que nosso sistema imunológico suporta é aquele de capa preta em cuja página 118 pode-se ler: "Mandará também o sacerdote que se degole uma ave num vaso de barro sobre águas vivas..." Apesar de nos considerarmos cristãos, racionais, isto ou aquilo e etc., somos na verdade loucos por tudo o que pertence ao mundo da magia e do animismo... Aliás, deparei-me com vários jogadores de tarô por aí, um, inclusive, ao lado de  uma igreja e o outro, na entrada da Praça  Osório, ali onde sempre tem alguém queimando fumo e onde existe uma fonte com 6 mulheres abraçadas a peixes que cospem filetes de água...
Minha passagem pelo antigo prédio da Farmácia Steffeld é inevitável. Ainda sinto o cheiro do laboratório de manipulação. Era sempre pela manhã que chegavam os viciados, com suas receitas de psicotrópicos, falsificadas... Anêmicos, trêmulos, em abstinência, com olhar de súplica, aguardavam lá no balcão enquanto, numa mise-en-scène sádica, levávamos a receita fajuta para o velho Oswaldo, que a examinava contra a luz e que tinha um gozo imenso em decretá-las falsas. Corria excitado lá para o balcão pronto para dar um esporro nos farsantes, mas eles, quando o viam, caiam fora em disparada... A família Steffeld foi derrotada pelo tempo... agora, em cada esquina há uma filial do grupo Nissei...
Dois gaiteiros na praça Rui Barbosa, uma polaca com seu leque multicor descendo a Emiliano Perneta e, na Travessa Jesuíno Marcondes, não há mais nem vestígios da boate Kracóvia. Adolescente, morava numa pensão em frente e vivia atormentado pelas ilusões e pelas fantasias daquilo que deveria acontecer em seu interior... Derrubaram também o Colégio Iguaçu. Quando precisei melhorar minhas notas para concorrer a uma bolsa de estudos em Coimbra, a dona G., com seus 90 anos, sem nenhuma cerimônia, transformou-me em minutos de um aluno medíocre num estudante notável...
Pensões: morei numas duzentas! Ainda está lá o pequeno restaurante japonês que servia arroz, ovos, batatas e banana! O Instituto de Educação ainda continua pintado de rosa. Vinhamos para cá nos fins de tarde ver as alunas saírem de mãos dadas com as babás ou com as mães... Mas não pegávamos ninguém! Nossa salvação eram as funcionárias das Casas Pernambucanas, Americanas, etc. De vez em quando acompanhávamos uma no fim do expediente. Os ônibus normalmente iam para o Boqueirão, Bom Retiro, Juvevê... Já era noite. Ficávamos no portão ou no jardim de suas casinhas modestas e sempre fazia frio. Não se falava quase nada. Nossa dialética era só corporal. Lembro que uma delas, filha de uma família ucraniana, empurrava-me para cima de um degrau e deixava instalar meu pobre phalo entre suas duas suculentas tetas, brancas, muito brancas, quase como as nevascas de sua terra natal... Acho que foi nessa época que um escritor daqui publicou o Vampiro de Curitiba. De lá para cá foi mistificado e transformado quase num gênio literário. Pura neurose da mídia e da plebe. Observe como cada cidade tem um, sempre pré-fabricado para turbinar o folclore e a ilusão das letras...
As meninas que ficavam à noite numa esquina da Visconde de Nacar agora, mais do que calejadas, administram carrinhos de pipoca e giram por aqui nos arredores da antiga rodoviária...
Na esquina da catedral duas senhoras vendem tumbas no Cemitério Vertical de Curitiba. No folheto vem esse slogan malandro: "você não compra um plano de saúde para ficar doente, e nem um plano funeral para morrer..." A vendedora chamada A. vai me falando: oferecemos sepultamento, cremação, funeral completo e translado nacional. E mais, somos um dos únicos no Brasil que dispomos de DETECTO-VIDA, um aparelho que fica conectado ao morto por 72 horas e que pode detectar sinais vitais, se for o caso...
Pobre senhora!, talvez ainda não tenha vivido o suficiente para saber que só um trouxa se daria ao trabalho de, já estando lá, fazer algum esforço para voltar ao mezanino deste palco de mesmices e de cafajestices...

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