Mais ou menos com a imparcialidade
da morte, a novela atual contaminou e nivelou doutores e flanelinhas, donas de
casa e vadias de viadutos, paus d'água e párocos, empregadas domésticas e
universitárias... Colocou na mesma sala de jantar açougueiros e jornalistas,
policiais e bandidos, madames e fumadoras de crack... e, por incrível que
pareça, até os neomarxistas se recolheram mais cedo hoje para não perderem o
último capítulo... E todo mundo estava temeroso da possibilidade de um apagão,
de uma diarreia na hora H ou de uma desgraça qualquer que atrapalhasse os
derradeiros momentos da apoteose... Quê gente! Chegaram até a cancelar um comício! E não foram poucos os
professores, os cineastas, os literatos e outros cultos personagens do gênero
que nos últimos dias infestaram os jornais com suas frígidas interpretações,
com suas tolas análises e com suas interesseiras opiniões sobre fenômeno
de tão esdrúxula e simbólica audiência... Uma cascata de elogios ecoou de todas
as janelas e de toda a mídia, e ninguém - nem os antigos stalinistas que sempre denunciaram a novelada nacional como um vicio de veados e de alienados - se
atreveu a dar um pio sequer sobre o ÓBVIO e sobre o trágico significado de toda
essa prostração...
O que mais se ouviu da boca e da
pena dos grandes entendidos foi que o sucesso dessa xaropada esteve no fato
dela ter deixado de tratar apenas dos chiliques dos endinheirados e trazido a
tona o frenesi e a alegria sintomática do populacho, bem como o horror do
dia-a-dia do hospício suburbano..., que ela colocou na boca dos atores chavões
eruditos e populares e que levou os mesmos a cacarejarem exaustivamente sobre a
nova, otimista e fictícia classe média que, na verdade,
não é classe média coisa nenhuma... Todo esse blábláblá é a narrativa da
nação - disseram alguns Ph.Ds. Para outros, o sucesso da novela se deu
porque tanto a história como a nação estavam imersas num clima especial de
orgulho e de esperança nacional... (É mesmo?). Os sociólogos, por sua vez, não se cansaram de
citar e de elogiar os grandes exemplos de "mobilidade social"
presenciados nos lances folhetinescos e nas sutilezas de tão espetacular
teledramaturgia. (Mas, o que é isto?)... Também mencionaram exaustivamente a
"literalidade dos diálogos"... (Ah, bom!). E muitos aplausos foram
dedicados também ao autor da obra que, sabiamente, teria se inspirado nas
novelas de uma tal A Gata Cristie...
Enfim, esta terminou, mas
amanhã começará outra, mais outra e mais outra. Podemos estar seguros que, por muito tempo ainda, os jantares serão recheados por baboseiras desse tipo...
Se Jean Arp aparecesse por aí em alguma esquina, nos
lembraria: "O burguês possui menos imaginação que uma lombriga, e em
lugar de coração tem uma espiga gigantesca que somente lhe causa problemas
quando acontece alguma mudança de clima - o clima da bolsa de valores"
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Em se falando do subúrbio do Rio de janeiro, cá estou eu nessa merda, não tão no subúrbio, e nem na zona sul, talvez na "faixa de gaza"... E nas minhas andanças, outro dia peguei o metrô da Linha 2, que vai de Botafogo para a Pavuna. Diga-se de passagem, que 80% do trajeto não é feito por cima do solo, ou seja, a única diferença do trem para o metrô da Linha 2 é o preço abusivo. É interessante o passeio que corta inúmeras favelas do subúrbio, que com a ajuda de córregos e rios poluídos, constrói-se a visão do inferno, compartilhada com o calor de quase 40 graus. Durante o trajeto eu poderia contar nos dedos a população branca que utiliza o transporte. Pelas janelas de vidro do vagão é impossível se acostumar com as inúmeras contruções de tijolos e madeiras, desarrumadas, uma por cima das outras, sem saneamento, iluminação, sem nada... O pior é que é exatamente essa a paisagem de todos que desembarcam no aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador, quando passam pela lendária Linha Vermelha... Como em um filme, transporto-me para dentro de algumas comunidades que eu conheci, em época de "guerra", e da festa que me levaram, na suntuosa cobertura da Lagoa que pertence ao dono de uma das Distribuidoras de Gás (um dos patrocinadores da Operação que me mantem no exílio). Os dois lugares, extremos, fizeram eu me sentir muito mal, porque ambos têm mais coisas em comum, do que se possa pensar - São formados por quadrilhas, compostas de gatunos, e todos rendidos pelo clã político, que articulam os interesses de todos em proveito próprio... Que tal uma novela que mostre a verdadeira cara do Rio de Janeiro? Que apresente ao povo os seus bastidores...
ResponderExcluirCorrigindo o comentário anterior: "...Diga-se de passagem, que 80% do trajeto é feito POR CIMA do solo..."
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